"A diversificação do mercado possibilitou aos pequenos mais chances de continuar"

- ANDRÉ ESTEVES

Data 21/04/2018
Horário 09:15

O comerciante Edson Fernani, 52 anos, exibe com orgulho uma foto afixada na parede do caixa da loja Bidu Tecidos. O retrato data de 1931 e registra os primeiros anos de funcionamento do estabelecimento comercial. No balcão, aparecem seu avô, um alfaiate libanês; o pai, que deu sequência ao negócio após a morte do patriarca; e sua mãe, que o ajudava a manter o atendimento. Desde a abertura do prédio no centro da cidade, em 1924, já se passaram 94 anos e, ainda assim, as portas nunca se fecharam, contrariando a ideia de que a venda de tecidos é um comércio antiquado.

A Bidu Tecidos não só possui um público estável e que se renova com o transcorrer das gerações, como também se consagra como um dos prédios comerciais mais antigos em operação. E se depender de Edson, a loja deve permanecer desta forma por muito tempo. Inserido neste espaço quando ainda era um adolescente, ele se interessou pelos tecidos e hoje toma conta, com satisfação, do legado da família.

Para preservar a memória do avô e dos pais e a resistência da loja às mudanças do mercado, o comerciante ainda faz questão de utilizar a antiga caixa registradora, que segue em plena atividade. Em entrevista concedida a O Imparcial, Edson fala sobre a evolução do comércio e do perfil do consumidor, a adaptação aos efeitos da economia brasileira e suas perspectivas para o empreendimento no futuro. Acompanhe a seguir:

 

O Imparcial: A Bidu Tecidos é uma das lojas mais antigas em funcionamento na cidade. Qual foi a origem do estabelecimento?

Edson: A loja veio de família. Começou em 1924 por meio do meu avô, um imigrante libanês que trabalhava como alfaiate. A princípio, ele foi pondo algumas coisas a mais para agregar a alfaiataria. Na época, não tinha roupa pronta. Ela precisava ser confeccionada pelo alfaiate ou costureira, então meu avô vendia os tecidos, além de outros itens, como guarda-chuva e sapato, tudo misturado. Com o tempo, meu avô faleceu e meu pai continuou. Nós [Edson e a irmã] nascemos e ele já foi nos encaminhando para a loja, que não tinha funcionários. Era ele e minha mãe. Quando eu tinha 16 ou 17 anos, comecei a trabalhar para ajudar. No começo, eu não gostava, porque queria estar no clube jogando bola. Quando fiz 18 anos, ele teve um problema de saúde e eu fui obrigado a trabalhar. Já entendia uma coisinha ou outra sobre comércio e tecido. Neste período, deixamos para trás um monte de coisa e nos especializamos apenas no tecido. A confecção de roupas prontas já tinha sido iniciada, mas ainda se vendia muito tecido. Comecei a tomar conta da loja e, com 18 anos, já ia para São Paulo fazer compra. Pegava o ônibus durante a noite e chegava lá às 7h da manhã. Descia na 25 [de Março], onde havia atacados grandes, e voltava no final do dia. Então comecei a gostar de negociar. Quando meu pai viu que o dinheiro estava entrando, falou: “O rapaz leva jeito”. Então me disse: “Vou continuar por dentro de tudo, mas você toma conta”.

 

Como o comércio de tecidos evoluiu com o passar das décadas?

Muitas lojas foram fechando por conta de sucessão. O comércio de tecidos é muito antigo. Vieram alguns comerciantes de fora, que abriram novos estabelecimentos e fecharam, enquanto nós fomos resistindo às políticas governamentais, que também influenciavam no mercado. Como tínhamos prédio próprio, nosso custo era muito baixo. Mais tarde, contratamos duas funcionárias, mas antes éramos apenas eu, minha mãe e minha irmã. Com esse custo baixo, conseguimos sobreviver, trabalhando, persistindo, acreditando muito e não desviando nada da empresa, nem crescendo o olho. A gente gosta muito do que faz até hoje, embora a economia esteja bem esquisita e complicada para trabalhar. Hoje, temos um quadro de sete funcionários, o que gera um custo um pouco maior, mas estamos resistindo e tentando saídas com promoções e tecidos diferenciados, tudo importado. Não temos mercadorias nacionais, 99% vêm da Ásia. Essa diversificação fez com que os pequenos tivessem mais chances de continuar no mercado, porque antigamente eram apenas fábricas nacionais e éramos obrigados a comprar de atacadistas, que já tinham os 40% de margem de lucro deles. As grandes empresas compravam da indústria, então não tínhamos preço para competir com elas. A gente comprava do atacadista e ele dos fabricantes, sendo assim, o preço lá era R$ 10, enquanto aqui era R$ 15. Atualmente, compro do importador. É lógico que a pessoa que tem uma rede de lojas compra melhor, mas conseguimos brigar, continuar na concorrência e estar no mercado. Isso dá uma certa tranquilidade em termos de preços.

 

Com a dominação das grandes fábricas de confecção, o senhor acredita que o seu público diminuiu? Hoje, qual é o perfil do cliente que compra tecidos?

Meu maior público é o feminino, que gosta de ir até a costureira fazer uma roupa sob medida. É um público pequeno, sendo que o masculino é menor ainda, porque não temos mais alfaiates, principalmente para ternos. Já para as mulheres, há um leque maior de costureiras. Acredito que o público diminuiu por conta da facilidade em comprar roupas prontas. No entanto, esse público é suficiente, porque a gente mantém tudo regrado e seguro. Não dá para brincar, é preciso focar nas vendas. O tecido, enquanto moda, está mudando muito rápido, porque tudo é importado. Se uma tendência é lançada na França, o chinês já copia e divulga. Logo a mulherada já quer igual. Como isso muda muito rápido, você tem que estar sempre de olho para continuar no mercado.

 

Como a economia brasileira afetou o comércio de tecidos em Prudente?

Na realidade, eu nunca vendi tanto tecido de 2009 para frente. Isso porque o poder aquisitivo aumentou e houve uma alta demanda, principalmente para festas de casamento e formatura. Contudo, após as mudanças de governo, houve um enxugamento de dinheiro no mercado e, automaticamente, o preço precisou ser reduzido. Estamos vendendo mercadorias com preços muito em conta. Caros não mais, porque o poder aquisitivo caiu muito. Estamos nos adaptando a esse novo mercado e comprando mercadorias mais acessíveis, porque a mão de obra para fazer uma roupa não é barata. Desta forma, temos que tentar agregar o preço do tecido com o preço da mão de obra, a fim de não incentivar o cliente a comprar a roupa pronta. Tenho que estar sempre por dentro desse jogo. Tivemos que mudar um pouco, mas não diminuir a qualidade, apenas comprar a mercadoria que se adapta ao mercado de hoje.

 

Prudente é uma cidade favorável para a manutenção de negócios?

Prudente é um polo comercial grande que abrange toda a região do Paraná, cujos moradores vêm muito para cá. Há uma abertura grande para mercados. Todos que vieram para cá estão em uma situação favorável. Eu vejo Prudente muito bem comercialmente. Tem jeito de melhorar mais, não apenas em termos de município, mas de Estado, uma vez que o imposto estadual é alto. Contudo, precisamos seguir em frente e tentar saídas. Acredito que Prudente seja uma das cidades da região mais visadas. Temos mais clientes de fora do que da própria cidade.

 

Qual é o segredo de sucesso de um estabelecimento que já funciona há 94 anos?

Eu fiz Administração de Empresas e tentei alguns concursos, mas permaneci dentro da loja porque achei que a estabilidade seria melhor. Aqui, adquiri uma experiência grande e gosto muito do que faço. Não vou falar que é lucrativo, mas, hoje em dia, o que é? Então toda a família persiste e sempre acha saída para os desafios, pois a nossa economia é instável: ora sobe, ora cai. As coisas sobem de preço e as vendas diminuem, porque o preço é primordial. Logo, se aumenta, o cliente compra menos. O segredo é ter foco no negócio, se dedicar e gostar do ofício. Se você não gostar, não precisa nem levantar da cama. Aqui nos sentimos em casa e nos esforçamos para prestar um bom atendimento ao público. Vários clientes já se foram, mas ficaram os filhos e os netos, que vêm até aqui e nos falam que seus avós e pais frequentavam a loja. É muito legal ouvir isso, porque nos incentiva a trabalhar e ser cada vez melhor dentro do comércio. Não adianta ter preço, mas um atendimento precário. É preciso atender bem e deixar os problemas ali fora.

 

Em algum momento, o senhor quis deixar este ramo e tentar outra atividade?

Eu me aposento daqui a três anos, mas pretendo continuar no comércio, sem qualquer interesse de mudar. No passado, eu pensava em ir para o setor da confecção, por estar nessa área e contar com fornecedores em São Paulo [SP]. Porém, acabei mudando de ideia e ficando. Felizmente, a coisa melhorou, fizemos uma base bacana e nos estruturamos. É isso o que importa. Enquanto eu tiver saúde, não tenho vontade nenhuma de parar.

 

Você acredita que a Bidu Tecidos deve permanecer no mercado por muito mais tempo?

Mesmo com público pequeno, deve se manter. Muita gente jovem está aprendendo a costurar e, se continuar assim, a procura por tecidos pode voltar a crescer. Além de ser muito mais em conta, a costura é uma higiene mental para a pessoa que pratica. Quem começa não para mais e isso é um incentivo para nós. Agora, temos muitas faculdades de moda, então os jovens estão mais interessados por tecidos, que são bastante utilizados para trabalhos. Estão surgindo muitos jovens nessa profissão, o que pode dar uma desencadeada no comércio no futuro, a partir de pequenas indústrias e microempresários fabricando peças exclusivas.

 

Quais são seus planos para o estabelecimento?

Eu tenho sonhos. Como o prédio é nosso e estamos com a loja muito apertada, tenho vontade de expandi-la. Meus sonhos não são concretos, pois, hoje em dia, não quero me endividar. Estou em uma situação confortável e não quero investir para depois ficar prejudicado. Se for possível aumentar um andar, vou fazer, porque não dá para me acomodar completamente. Gosto de sempre trazer novas ideias para loja, trocar prateleira, colocar mostruários novos, eventualmente contratar funcionários, justamente com o objetivo de melhorar.

 

Para encerrar, fica a curiosidade: por que a loja leva o nome de Bidu?

Meu pai jogava futebol na década de 1930 e, como era descendente de árabe, colocaram nele o apelido de Beduíno [árabe nômade do deserto]. Com o tempo, encurtaram para Bidu, que não tem nada a ver com o cachorrinho do Maurício de Sousa. Essa foi a explicação que ele me deu. Quando entrei aqui em 1986, a loja tinha outro nome, mas as pessoas sempre utilizavam o apelido para se referir ao estabelecimento: “vai no Seu Bidu na Barão”. Então pensei: “Sabe de uma coisa, vou mudar”. Não é um nome bonito para loja de tecidos, mas é um nome compacto.

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