“A poesia veio para ficar. Com rima, sem rima, jamais vai acabar”

- OSLAINE SILVA

Data 26/01/2019
Horário 09:53
Marcio Oliveira - Para Cidinha Girotto, a poesia exerce um poder transformador na vida das pessoas
Marcio Oliveira - Para Cidinha Girotto, a poesia exerce um poder transformador na vida das pessoas

Maria Aparecida Girotto Rodrigues, 74 anos, mais conhecida como Cidinha Girotto, é esposa de Bolívar, mãe de Leandro e Mariana, avó de Lucas e sogra de Vanessa. Professora, mulher de fé, apaixonada pela escrita, encontrou na poesia um brilho a mais para colorir o seu cotidiano e de tantas outras pessoas que apreciam seus textos publicados em livros, coletâneas e, em alguns domingos, desde 2009, no “Espaço Literário” deste jornal. Troféus como Benjamin Resende, Concurso Literário Vinicius de Moraes de Presidente Venceslau e o 5º Concurso de Poesias Inéditas de Teodoro Sampaio estão entre as conquistas da escritora, que nasceu em Piquerobi, depois foi morar em um sítio em Araxãs, distrito de Presidente Bernardes, Santo Anastácio e, por fim, Presidente Prudente, onde reside até hoje.

A personalidade desta edição explana sobre o poder transformador deste gênero literário poetizado: “Como é gostoso poetizar. Como é gostoso no papel colocar o que a gente está sentindo... Surgem as palavras, ideias e emoções vão fluindo e o poema assim se florindo. Às vezes com flores roxas, às vezes até com espinhos, mas o que vence mesmo são as flores de lindas cores enfeitando todo o caminho, embelezando o jardim que vive dentro de mim. A poesia veio para ficar. Com rima, sem rima, jamais vai acabar. Já não sei viver mais sem a poesia. Ela faz parte da minha vida. Com ela não existe vida vazia. Ela já está envolvida no meu dia a dia. É o jeito que tenho de sorrir ou chorar. De me entristecer ou de me alegrar. A dignidade e o amor exaltar, com meu jeito simples de me expressar. Por isso então agradeço a Deus de todo o meu coração, o dom de poetizar!”.

Cidinha, vamos começar falando de sua formação. Como foi sua entrada em solo educacional?

Isso é ótimo [risos]! Me formei no magistério público em 1998, fiz Pedagogia e Estudos Sociais na Unoeste [Universidade do Oeste Paulista], mas comecei a trabalhar concursada como escriturária, na Escola Estadual Maria Luiza Formozinho Ribeiro. Agradecerei eternamente ao diretor daquela época, o senhor Rubens Corazza. Um dia, ele chegou e me disse que iria ter um concurso para professor e que eu prestaria. Eu respondi que não tinha como estudar, pois trabalhava 8 horas por dia, minha casa para cuidar. Ele então frisou que eu iria estudar sim, porque me daria uma semana de descanso, e falou: “Você é uma excelente funcionária e merece”. Como não ser eternamente grata a uma pessoa dessas?! Passei no concurso e ingressei em Santa Rita do Pontal, perto de Euclides da Cunha [Paulista]. Depois, em 1981, vim para Prudente dar aulas na Escola Municipal Ocyr Azevedo e passei por outras várias até me aposentar na Dr. João Franco de Godoy, o Navio. Foi no Navio que peguei uma turma do 4º ano, tão difícil, tão difícil e foi quando comecei a trabalhar versículos bíblicos e poesias com eles. Ali vi que a poesia dava certo e isso aflorou. No fim do ano, aqueles alunos estavam escrevendo suas próprias poesias. Tanto que uma professora de português veio e me disse que o que eu tinha feito com aquela sala era um milagre e que eu tinha que escrever um livro sobre o trabalho que desenvolvi ali.

Quando você teve um texto publicado pela primeira vez?

Foi em 2003, no jornalzinho mensal da Paróquia Santo Antonio, no Jardim Paulista, a convite do também escritor Laércio Zaramela para contribuir na elaboração. Foi ali que comecei a publicar minhas coisas. As pessoas da igreja foram grandes incentivadoras para que eu não parasse mais. Outra pessoa importante foi a Telma, que me chamou para participar do concurso de poesias para a coletânea “Prudente 90 Anos”. Mandei então a composição de uma música intitulada “Cidade Querida”. Foi a primeira vez na vida que apareci com um crachá de escritora! Eu mal podia acreditar, porque me considerava uma ‘jacu do sítio’ [risos]. Me senti muito feliz. Tenho que agradecer também ao responsável pelo Troféu Benjamin Resende, Carlos Francisco Freixo, presidente da APE [Associação Prudentina de Escritores] e aos demais autores que se dedicam à literatura de Prudente. Eu era tão tímida, mas tão tímida, a ponto de não ter coragem de ir sozinha a um lugar, uma festa. Eu tinha muita vergonha e com essa turma [os escritores da associação] me entrosei tanto que para mim se tornou uma família.

Como nasceu o primeiro livro?

Quem me ajudou, me incentivou a entrar nesse mundo de “escritora de livros”, foi a minha amada nora Vanessa. Porque até então eu escrevia poesia, e um dia relembrando da época em que eu vivia na roça, daquela casinha, comecei a escrever em forma de poesia que se chamava “Lembrança”, uma história de um dia de uma adolescente que trabalhava na roça. E quando ela viu, disse que aquela poesia dava um livro. Engraçado que eu escrevi aquela poesia brincando com as palavras, usando homônimos e a polissemia. Ela me incentivou tanto, tanto, disse que eu era capaz, fiquei com aquilo na cabeça e afirmei pra mim mesma que realmente eu era capaz. Olha como a palavra tem força. Partindo disso, comecei a prestar atenção em todas as palavras que tinham homônimos, sentidos diferentes, e dentro daquela poesia eu ia vendo onde eu poderia encaixar. Fui tomada pela imaginação e nasceu “Que Dia”, o primeiro livro que várias escolas estaduais e particulares usaram tantos anos, como o JP, Anglo, Múltiplos, Colégio Prudente, Sesi Vila Real, Professor Joel Antonio de Lima, Dr. José Foz, Fernando Costa, Comendador Tannel Abbud. Teve uma criança do JP que fez uma poesia sobre esse livro, que me faz chorar cada vez que me lembro. É Linda, linda, linda!

Quais livros você tem publicado?

Depois de “Que Dia” veio “Datas em Poesias”, que eu já trabalhava antes nas escolas, alfabetizando meus aluninhos. Todas as datas, como aniversário de alguém, uma visita que recebíamos na escola, eu já pegava as crianças e dizia: ‘Vamos escrever uma poesia?’. Como eu nem imaginava que um dia poderia escrever um livro, muitas poesias que trabalhei em sala de aula se perderam. Foi nesse meio tempo que comecei a publicar no Espaço Literário do jornal O Imparcial! Meu Deus, eu tenho esse jornal como minha família! Sou muito grata. Por meio dele eu passei a ser cumprimentada pelas pessoas em todos os lugares! Que gostoso quando chegavam até mim e falavam que haviam lido minha poesia no jornal! Em seguida nasceu “Orações em Poesias”. Mais uma vez, por meio das publicações em O Imparcial! Chegavam a mim e me diziam que estavam rezando comigo. Me ligavam e diziam que tal poesia que leram no jornal tinha a ajudado a sair da depressão. Percebi então que era bom pra mim e para os outros, então nasceu mais este livro, que acabou rapidinho, porque tinha gente que comprava para mandar para fora para grupos de oração das igrejas. Após uma fase difícil com a saúde, em 2011, escrevi “Jesus é Senhor”, porque queria reavivar esse senhorio. Foi mais com o intuito de fazer uma doação para uma entidade. Fiz 500 exemplares, vendi 250 e levei o dinheiro, e o restante deixei para que comercializassem. Em seguida escrevi “Que Festa”. Pensei assim, brinquei com as palavras homônimas e a polissemia. Vou fazer um então com as palavras homófonas, em que pronunciamos igual, mas o sentido é diferente. Esse levou um tempo a mais, porque fui pesquisar na intenção de melhorar o vocabulário dos estudantes, principalmente para os que fossem prestar vestibular. Aí vieram “O Pato no Prato” e “Mago Magro”, que eu deveria ter feito em apenas um livro. Porque em um o ‘r’ é intercalado na primeira sílaba, e no outro, na segunda sílaba. São duas historinhas deliciosas vendo como o ‘r’ é importante na palavra e o quanto ela muda se esquecer de empregá-lo no lugar correto. “Moro no Morro” é outro que trabalha essa consoante. E por último, com a intenção de alfabetizar mesmo, voltando lá naquele primeiro ano em que dei aula, fiz “Vem Gato”! Uma coisa interessante é que todos os meus livrinhos, mesmo os para alfabetização, são paradidáticos, servem para todas as idades.

Como é seu processo de elaboração das poesias? Tem um horário, um lugarzinho especial para escrever ou não?

Antes eu tinha, mas hoje escrevo em qualquer lugar. Na salinha de televisão, por exemplo, já deixo um bloquinho, e quando estou assistindo e vem a inspiração do nada, então já passo para o papel. Às vezes, enquanto aguardo uma consulta médica, vou escrevendo. É assim. Ah, preciso dizer que todos esses livrinhos que fiz foram revisados por minha nora Vanessa, minha comadre Vera Maróstica e um primo meu, diretor aposentado, Alécio Rebelato, que valorizam muito o que eu faço.

Falando em valorização, as pessoas ainda leem Cidinha?

Sim, e principalmente quando é um livro trabalhado nas escolas, que dá oportunidade para outros lerem. E aqui em Prudente temos uma comunidade grande de escritores e acaba um lendo o do outro. Eu mais escrevo do que leio [risos]. Me prendo quando estou escrevendo!

Qual o poder da poesia? O que te motiva a escrever?

Pensando no coletivo, penso que se os professores soubessem a força que tem trabalhar com poesias nas salas de aula... Eu consegui salvar uma classe trabalhando a poesia. Escrever para mim é vida. É respirar o ar mais puro. E, poder compartilhar, partilhar com as pessoas o que vivo, o que penso, o que vem à imaginação, fatos que percebo no mundo exterior, é maravilhoso! Outra coisa, as escolas trabalharem com meus livros me motiva a escrever mais e mais. Esse ano, por exemplo, o Colégio Prudente vai usar meus quatro livrinhos: “Vem Gato”, “O Pato no Prato”, “Mago Magro” e “Moro no Morro”. Isso é uma alegria muito grande!

O que você prioriza na hora de escrever uma poesia?

Priorizo a realidade, a verdade, a justiça, o pé no chão, a lealdade, pois não suporto a falsidade. Quero que sobressaia em minhas poesias o valor da vida! E aí já entra a fé. Porque tudo que se prioriza a justiça, a verdade, aí já está presente Deus. Meu santo de devoção é o santo dos santos, Jesus, que é humano e divino, e sua mãe Maria, Nossa Senhora!

Quais escritores, poetisas ou livros que te inspiram?

Até o s 19 anos, a única leitura que eu tinha conhecimento foi o que aprendi na escola. Não tinha muita base de literatura. Me identifico muito com Cora Coralina, que começou a escrever tarde, também. Gosto muito da Cecília Meirelles e Clarice Lispector. E adoro Ariano Suassuna, ele é incrível. E um livro que eu sempre indico para todo mundo é “Vivendo, Amando e Aprendendo”, do escritor e professor Leo Buscaglia, porque ele coloca a exuberância da vida e da capacidade de transformação de toda pessoa humana em sua escrita. E um do Augusto Cury, O Futuro da Humanidade - A emocionante história de um médico e um mendigo em busca de um mundo melhor”.

O que a poesia te proporciona de bom? Relate o processo de depressão que você superou há pouco tempo, com a poesia sendo um dos principais auxílios que teve para “sair desse terror”?

Em 2015, por conta de um tratamento de saúde que não dava certo, pois não encontrava um profissional que conseguisse me ajudar, com um alto grau de estresse, eu comecei a ficar depressiva, contudo, ainda conseguia controlar. Mas, em 2017 a coisa ficou séria. E a depressão veio para me derrubar. Eu não conseguia nem andar, pois tinha uma tontura, um desequilíbrio horrível. E graças a Deus eu tinha poesia, coisa que eu fazia dentro de casa. Não precisava sair. Inclusive escrevi várias sobre a depressão, e acredita nos comentários descobri que, mesmo passando por aquele problema, estava ajudando outras pessoas? Assim fui me recuperando, graças a Deus! E estou aqui, escrevendo, poetizando [risos].

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