"As pessoas buscam o serviço das grandes fábricas, que há tempos dominam o mercado"

- ANDRÉ ESTEVES

Data 10/02/2018
Horário 13:07

Nos fundos de um imóvel localizado no Parque Shiraiwa, em Presidente Prudente, Wilson Lima Simões exerce com serenidade, porém, dedos ágeis, o ofício de alfaiate, uma profissão quase extinta no mercado, mas que, se depender de sua disposição e amor pelos vestuários, seguirá resistente ao tempo. Embora a expansão do mercado de roupas tenha suprimido a costura sob medida, o trabalhador se mantém fiel à sua profissão, assim como o seu público se mantém fiel a ele.

Atualmente, ele se descreve como um buteiro, que é o profissional da alfaiataria que realiza reparos, os serviços mais procurados em seu ateliê. O gosto pelas agulhas, máquina de costura e tecidos vem desde cedo – na verdade, parece estar no sangue. Isso porque seus dois irmãos também começaram como alfaiates e hoje trabalham com suas próprias grifes. Além deles, Wilson tem mais uma irmã, mas esta não se rendeu ao universo do corte e costura.

O alfaiate é casado, vive com a esposa e tem cinco filhos. Um deles era um “braço forte da costura” em São Paulo, mas morreu em um acidente há cinco anos. Em entrevista a O Imparcial, Wilson fala sobre a evolução de sua atividade, a era de ouro e a rotina de um alfaiate. Confira:

 

O Imparcial: Como o senhor entrou para o ramo da alfaiataria e com quem aprendeu a atividade?

Wilson: Eu aprendi na própria alfaiataria. Entrei para aprender a fazer calças, porque na década de 1970, eu via que as fábricas contratavam muitas pessoas para fazer calças e camisas. Desde então, estou costurando. Já são praticamente 40 anos. Comecei com 19 anos e fiquei parado dois anos nesse intermédio, porque tentei arrumar outra função para saber se me adaptaria. Queria ver se o mundo das outras profissões seria viável para mim, mas, na época, não foi. Voltei para o ramo em pouco tempo, então 40 anos perto de dois é a vida toda.

 

A profissão mudou muito com o passar do tempo?

A alfaiataria acabou. Em São Paulo, ainda há os grandes alfaiates, que são as pessoas de mais idade que ainda estão na ativa. Porém, nas cidades do interior, já não há tantos. Quando têm, são poucos. Isso porque as pessoas procuram o serviço das grandes fábricas, que há tempos dominam o mercado. De modo geral, não se fala mais em alfaiataria. Hoje tem muito ateliê de costura, mas o alfaiate em si não. Faz tempo que estou aqui costurando e raramente ouço a pessoa dizer: “Quero aprender com você. Quero ser calceiro ou camiseiro”. Aqueles que sabem fazer um bom acabamento conseguem manter um salário bom nas grandes fábricas, o que é um dos motivos para a alfaiataria não ser mais visada.

 

Qual foi a era de ouro dos alfaiates?

As décadas de 1970 e 1980, quando o pessoal vinha em peso buscar o alfaiate. Em toda a rua que você andava, havia várias alfaiatarias. Há alguns anos, tinha muita gente montando oficina. As mulheres que gostavam de moda, mas não sabiam costurar, pegavam duas ou três pessoas e faziam muitos consertos de roupa, mas agora acabou. De um tempo para cá, por causa da economia, começou a cair bem. Antigamente, pessoas de todas as classes sociais buscavam o meu serviço. Já hoje, quem procura o alfaiate é minoria. Só quem realmente conhece.

 

Quem é o seu principal público e quais são os serviços mais solicitados?

Há quem me conhece há bastante tempo e ainda faz roupas sob medida. Atualmente, eu trabalho muito com serviços de ateliê, como reparo de ternos e camisas, então é isso que mantém a gente de pé ainda. As mulheres também me procuram, principalmente para reparos, mas o meu maior público continua sendo o masculino. Os ajustes de peças representam 90% do meu trabalho, sendo que o que mais faço é reparo de ternos. Se o cliente tem busto de 48 centímetros e pega um terno de 50, eu imediatamente reduzo a peça para 48. É o que na alfaiataria chamamos de buteiro [o alfaiate que faz consertos].

 

O senhor consegue se manter financeiramente sendo alfaiate?

Sim e tenho um cálculo razoável de prestação de serviços. A procura por conserto é muito grande, então é o que me faz continuar. Atendo, em média, 250 fregueses diretos e indiretos por mês. Indiretos porque também pego serviço nas lojas. Elas me procuram, faço o serviço e entrego, sempre de um dia para outro. O grande desafio é concluir os pedidos com agilidade, porque o pessoal quer a devolução rápida. Se eles têm uma formatura amanhã, vão até a loja, escolhem o terno e já solicitam o reparo para o dia seguinte, então tenho que me desdobrar para poder atendê-los.

 

Você já almejou tudo em sua profissão ou ainda tem objetivos a serem alcançados?

Eu estou tranquilo com relação ao que faço e, enquanto tiver freguesia, vou continuar.

 

Os serviços de um alfaiate são caros?

Hoje em dia, não é caro. Quem procurar vai encontrar um preço acessível. O valor que cobro para fabricar um terno é equivalente ao do mercado, porque o mercado atual é para todos os bolsos. Você pode achar tanto um terno de R$ 300 quanto um de R$ 2 mil. Tem para todos os gostos. Aqui no meu ateliê, um terno sai em torno de R$ 390. A pessoa traz o tecido e eu cobro apenas a mão-de-obra.

 

Se as grandes fábricas dominaram o mercado, por que o senhor decidiu continuar trabalhando por conta?

Eu tenho dois irmãos que deixaram a alfaiataria, fizeram modelagem e hoje trabalham pondo no mercado a grife deles. Já eu resolvi trabalhar individualmente porque sempre gostei de estar na máquina. Se você tem uma fábrica ou indústria, não vai mais sentar na máquina, pois a possibilidade é muito pouca. Além disso, o meu rendimento é compatível com o salário oferecido no mercado. Aqui, tenho praticamente uma empresa. Atendo no meu endereço e presto serviço para as lojas, o que dá uma graninha boa. Como há pedidos toda semana e eles demandam horário, tenho retorno financeiro estável.

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