“Se o ser humano observasse a natureza, aprenderia a conviver em harmonia”

Jardineiro concursado da Prefeitura de Marcondes, ele despertou um "dom" na profissão, e mantém praças, rotatórias e trevos da cidade repletos de plantas e flores

- SANDRA PRATA

Data 05/01/2019
Horário 09:09
Marcio Oliveira - João trabalha diariamente nas praças da cidade, plantando, podando e cuidando das mudas
Marcio Oliveira - João trabalha diariamente nas praças da cidade, plantando, podando e cuidando das mudas

As praças, rotatórias e os trevos de entrada em Alfredo Marcondes atraem os olhares mais sensíveis de quem por lá passa. Para aqueles que apreciam a beleza da natureza impossível não perceber as flores e mudas plantadas pelo jardineiro João Correia Silva. Ele, aos 48 anos, acredita já ter semeado mais de mil plantas de diversas espécies. Residente do Sítio São Teófilo, no bairro Jaracatiá, fez da casa morada das flores, aromas e cores. Cultivo esse que “é um chamado de Deus, um dom”. Habitante de ambiente rural desde os dois anos, ele conta que “cresceu em contato com a natureza”. Porém, nem sempre soube que teria os jardins como área de trabalho.

De estudante de marcenaria a professor de Catequese, foi apenas em 2005 - ao passar em um concurso da Prefeitura - que “se encontrou” e os primeiros indícios do amor pela jardinagem surgiram em sua vida. Sentimento que, somado ao desejo de abrilhantar os espaços públicos, culminou em mutirões de plantio e no projeto Caminhos floridos – Semeando a beleza em flores. Iniciativa que consiste em incentivar a colaboração da sociedade para o cultivo e a preservação das plantas.

Devoto de Nossa Senhora das Graças, esposo de Solange, pai de Mariana e João Paulo, de 14 e 8 anos, João tem cinco irmãos e, apesar do convívio, conta que a jardinagem não é um amor que pode ser herdado de família, “é algo que cada um tem dentro de si, é uma semente”. A dele, por exemplo, está pronta para ser plantada e servir de adubo para novas gerações. Por essa razão, levanta cedo diariamente e veste o sorriso no rosto, a fim de “cuidar da natureza para o futuro”.

Munido de ferramentas propícias, técnicas e conhecimentos aprendidos com estudos e pesquisas ao longo dos anos, atualmente comercializa algumas mudas para fim de complemento de renda, mas, “antes de objetivar dinheiro”, prioriza o cuidado com o meio ambiente. Nesse contexto, a rotina se resume ao zelo pelas praças São Cristóvão, Jandir Araújo, Luciano Martins, e demais espaços locais. Na manhã de ontem, o jardineiro tirou um tempinho da correria cotidiana para contar a O Imparcial a importância de “observar e aprender com a harmonia das plantas”.

O Imparcial: Como tudo começou? Quando percebeu que levava jeito com as plantas? Teve alguma influência?

João: Bom, desde pequeno eu trabalhava no sítio com a minha família, então o contato com a natureza já era da rotina diária. Comecei plantando umas mudinhas, nem sabia o nome das espécies. Comercializei algumas e o tempo foi passando, conclui o colegial e fiz um curso de marceneiro, mas ainda não sentia que era com isso que eu gostaria de trabalhar. Então, em 2005, abriu um concurso da Prefeitura de Marcondes e tive a chance de ficar mais próximo do meio ambiente. O salário na época era de R$ 100 e a função era apenas varrer e limpar as praças, cuidar da manutenção, então, sempre tirava de letra. Era leigo no assunto de jardinagem, até que um dia, uma senhora passou por mim na praça e me questionou sobre uma semente de hibisco. Respondi que não tinha e ela me olhou com um ar de decepcionada, aquilo me despertou o interesse em entender e conhecer mais sobre as plantas. Foi aí que comecei, fiz um curso básico de jardinagem e comecei a me aprofundar no assunto. Quando fiz isso, percebi que me identificava e sentia amor em fazer. Não vejo como algo que você exerce sob alguma influência, vai de cada um.

Depois dessa percepção, quais foram os próximos passos? Como surgiram as primeiras mudas? Quando e por que decidiu levá-las aos espaços públicos?

Me casei e me mudei aqui para o sítio, então, comecei a idealizar um jardim, comprei algumas mudinhas, plantei e fui ficando encantado. Várias pessoas passam por aqui e elogiam, então pensei: “Caramba, eu posso levar essa beleza para os espaços públicos, para o local que eu trabalho”. Hoje, as pessoas esperam muito pelo poder público, e o poder público, muitas vezes, é limitado, então pensei em sugerir a possibilidade de cultivar os espaços. No início, eu trabalhava na Praça da Bandeira, comecei plantando 47 mudas por lá no meu aniversário, mas era difícil, porque era um local que já tinha arborização, já estava pronto, não tinha muito o que semear mais. Em 2017, conversei com o prefeito sobre a minha proposta de ampliar o serviço para outras praças de Marcondes. Ele concordou, então comecei fazendo intercâmbio, eu trabalhava três dias em uma, dois dias no trevo, fui complementando, só que era muito corrido. Muitas vezes as pessoas me criticam: “Olha lá o ‘besta’, se matando em trabalho da Prefeitura”, mas quando se faz com amor, a gratificação de você plantar uma muda e ver um beija-flor passando por ela, borboletas, uma pessoa admirando, tirando fotos, não há recompensa maior.

Com essa ampliação do serviço você também conseguiu idealizar alguns projetos, entre eles, o Renascer, como funciona?

O projeto Renascer foi uma parceria com a Prefeitura de Marcondes e envolveu 32 crianças da cidade. Juntos fizemos um mutirão para plantar algumas mudas na Praça Jandir Araújo, a ideia era repassar o meu conhecimento, então, expliquei cada uma das espécies e como elas se desenvolvem. Se de todas as crianças que estiveram lá, apenas uma absorveu e mantém o gosto pela jardinagem dentro de si, já valeu a pena. É só com insistência e com iniciativas assim que você consegue despertar o interesse de novas gerações, e se isso não acontecer, com o passar dos anos, as plantas, as coisas que fiz, serão suprimidas. Quando eu morrer isso tem que continuar, tenho que deixar sementes, tem que ser preservado, e são as crianças o nosso futuro. Em 2018, fizemos duas novas ações de plantio. Uma de hortaliças no Dia do Meio Ambiente e outra no Cras [Centro de Referência de Assistência Social] aqui da cidade, tudo com o mesmo propósito. Para manter as plantas vivas não tem necessidade de gastos. Se existe a boa vontade e a reutilização de materiais o custo será mínimo.

Qual a importância de valorizar o cultivo? Qual a expectativa para os resultados dessas ações?

O planeta Terra é a nossa casa, esse local onde eu moro é o meu meio ambiente, a praça é o meio ambiente de quem frequenta. As pessoas precisam, desde cedo, valorizar isso. Só assim conseguem desfrutar de uma beleza que foi criada por Deus. Ele fez a natureza e as plantas, preservar isso é contemplar a obra do Criador. E mais que isso, é deixar uma marca. Se hoje eu planto uma muda, eu vou desfrutar dela, mas, no futuro, outras pessoas também. Se eu fizer um trabalho mal feito de plantio, isso pode não ir para frente.

Para que essa consciência seja de fato implantada no coletivo, é preciso que exista colaboração. Como avalia isso na cidade? De que forma o projeto Caminhos floridos – Semeando a beleza em flores ajuda nesse aspecto?

Olha, não tem como dizer se as pessoas são conscientes ou não, isso depende de cada um. Quem gosta, cuida mesmo que seja de um vaso, está no sangue, na pele. Ano passado, por exemplo, eu saí de férias, quando voltei, algumas mudas das praças estavam secas, porque ninguém molhou. Isso desmotiva um pouco, mas mesmo assim sigo meu serviço. Costumo dizer que se uma planta dura apenas um dia, mas nesse dia foi o suficiente para chamar a atenção de alguém, então, já valeu a pena. O projeto é uma forma de fazer as pessoas se sentirem envolvidas, através dele quero que sintam vontade de ajudar, se sensibilizem, se não podem colaborar plantando, podem colaborar com R$ 5, quem sabe. Com isso, compro uma muda e planto, assim, aos poucos vai se mantendo. Uma cidade bem cuidada possui um espaço mais harmonioso e confortável para os moradores.

De que forma acredita que o cultivo e o contato com a natureza contribuiu para a vida de alguém?

Eu acho que contribui desde que a pessoa esteja aberta também. Na correria diária pode ter a planta mais linda ali, a pessoa não vai parar e olhar se não tiver a sensibilidade. Isso percebi muito no meu serviço, às vezes as pessoas paravam, tiravam fotos, aí perguntavam: “Ah, como você faz essa muda?”. Então é maravilhoso ter esse contato, mas não são todos que sabem apreciar.

Qual principal aprendizado pode tirar da sua profissão?

Conviver em harmonia. Isso é o que eu chamo de “estatuto da jardinagem”, é respeitar e compreender as plantas, com isso você aprende. Por exemplo, observe um canteiro, existem muitas flores juntas de diferentes espécies. Você vê alguma competição? Alguma disputa por espaço? Não. O ser humano tem muito que aprender com isso. Se parasse um pouco mais para observar como funciona a natureza traria um sentimento mais puro dentro de si, aprender um pouco sobre conviver em harmonia, em coletivo. Hoje tem muita competitividade entre os seres humanos em mercado de trabalho, por exemplo, e isso não é algo que vemos no meio das plantas.

No ambiente familiar hoje, seus filhos também possuem um vínculo com as plantas?

O João Paulo possui espectro do autismo, então, ele não tem muito essa interação, e a Mariana, falando a verdade, não tem muito essa proximidade com plantas [risos]. Tenho que ficar dando bronca nela para aguar qualquer uma. É como eu digo, está no interior de cada um. Ela fala muito em estudar para ser professora, então, acredito que realmente a vocação dela não é como a minha.

Pensando nos seus filhos e futuras gerações, quais os planos para o futuro dos serviços desenvolvidos?

Pretendo construir uma estufa aqui no sítio, fornecer cursos gratuitos para passar conhecimento e tentar despertar o interesse. Quero cultivar mudas diferentes e me dedicar ao voluntariado quando aposentar. A estufa já está com os primeiros tijolos assentados e com o plástico comprado, é tudo questão de tempo para começar a funcionar.

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