A doença de ser normal

Dividindo com vocês, leitores, um pensamento sobre normose: uma obsessão doentia por ser normal. Sabemos que, duas pessoas se digladiarem até a morte para entreter a multidão, já foi considerado normal. Também já foi normal queimar mulheres na fogueira por bruxaria e fazer pessoas trabalharem sem remuneração com direito a castigo físico só pela cor da pele. Já foi normal passar 40 horas da semana fazendo algo que detesta.

Mentir para ganhar dinheiro e devastar florestas inteiras em busca de um suposto desenvolvimento. E esse último, ainda é normal. Afinal, será que ser normal - e achar normais coisas que não deveriam ser - pode ser uma doença? Sim. A doença de ser normal chama-se normose: um conjunto de hábitos considerados normais pelo consenso social que, na realidade, são patogênicos em graus distintos e nos levam à infelicidade, à doença e à perda de sentido na vida.

Roberto Crema, psicólogo e antropólogo, no fim dos anos 70, estava encucado com o fato de muitos autores apontarem uma “patologia da pequenez”: o medo de se deixar ser em sua totalidade. Normose ocorre quando o contexto social que nos envolve caracteriza-se por um desequilíbrio crônico e predominante. Enquanto a maioria de nós se adapta a um ambiente social doente, quem resiste à normose acaba considerado desajustado, por não obedecer ao estado “normal” das coisas.

Como aquele cara que, mesmo ganhando o suficiente para fornecer educação, moradia e alimentação para si e seus filhos, é considerado vagabundo e louco por, em plena quarta-feira ensolarada, liberar as crianças da aula e levá-las à praia. Mas como? Em dia de semana? As crianças vão faltar à aula? Pois é. De repente, ele acha que um dia na natureza e na companhia dele, vai fazer mais bem a seus filhos do que horas sentados em sala de aula. Será que ele não é saudável?

As pessoas consideram que trabalhar muitas horas, colocar em risco sua saúde e suas relações é normal. E isso tem um custo pessoal e social alto demais, que acabam levando a problemas de saúde publica e violência, por exemplo. Desde a infância aprendemos que o que vem fácil, vai fácil e que, se a vida não for difícil, não é digna. Precisamos mudar isso e entender que esforço não é tarefa. Quantos de nós chegamos em casa reclamando para mostrarmos (a nós mesmos e aos outros) que trabalhamos muito e tivemos um dia duro, como se isso trouxesse algum tipo de mérito?

Segundo Crema, cada um de nós tem talentos diversos, mas “o normótico padece de falta de empenho em fazer florescer seus dons e enterra seus talentos com medo da própria grandeza, fugindo da sua missão individual e intransferível”. Por isso sublinho que se: quando amamos o que fazemos e nos realizamos, torna-se prazeroso e parece não ser trabalho. Quando temos necessidade de, a todo custo, ser como os outros, não escutamos nossa própria vocação.

A cura da normose só vai ser possível quando houver no mundo gente suficiente disposta a questionar tudo o que achamos normal. Temos uma tendência de recusar sempre novos jeitos de olhar o mundo. Confundimos o que é familiar com o que é correto: ao ver ou sentir algo que desperta alguma memória, o cérebro define aquele familiar como correto, da mesma forma que o novo é decodificado como passível de desconfiança. O texto não é de minha autoria. Mas vale a pena refletir.

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