A gloriosa Fafi e um desejo realizado

OPINIÃO - José Caetano da Silva

Data 19/05/2019
Horário 05:23

Foi nos idos de 1967 que eu fiquei sabendo que em Presidente Prudente havia uma faculdade pública de alto nível, com professores gabaritados, muitos deles formados na USP (Universidade de São Paulo). A melhor mostra da força dessa faculdade ocorreu por ocasião de uma palestra dada para os alunos do Curso Normal noturno de Regente Feijó pelo antropólogo cultural Max Henri Boudin, um francês que sabia muito de tudo, inclusive dos índios da Ilha do Bananal, onde passara sete anos estudando-os. Boudin era uma das chamadas “feras da Fafi”. Até a ida do Boudin a Regente Feijó eu não tinha ainda uma predisposição em fazer um curso superior, me contentando em concluir o Curso Normal e me formar professor primário, um sonho que tinha desde os tempos da admissão ao Ginásio.

O contato com o Boudin e depois o estímulo dado pela professora de Sociologia Teresita Canci, dizendo que eu deveria fazer Ciências Sociais, por conta de minha facilidade com as questões sociológicas, foram fazendo ganhar corpo em minha mente a necessidade de ingressar num curso superior. Essa necessidade se transformou em desejo em 1968, por conta do movimento estudantil no enfrentamento à ditadura militar no Brasil e do Maio de 1968 na França. De repente senti uma identificação forte com essa luta toda de jovens como eu, jogando coquetéis “molotov” na polícia e enfrentando o gás lacrimogêneo em nome da liberdade, da justiça e da igualdade.

Mas eu tinha um limite forte para realizar esse desejo: falta de condições financeiras, o que me fez priorizar o trabalho como professor primário para ajudar no sustento da família. Foi isso que me fez passar o ano de 1969 dando aulas numa escola rural no Bairro do Despezio, São Lourenço da Serra, distante 48 quilômetros da capital paulista. Os acontecimentos do ano de 1969, com o endurecimento do regime, e a intensa saudade da família, me fizeram retornar a Regente Feijó, com o firme propósito de tentar entrar na Fafi em 1971. Eu não me achava preparado para tentar o vestibular em janeiro de 1970, mas várias pessoas me estimularam, inclusive amigos que haviam feito o Curso Normal comigo..

Prestei o vestibular e consegui passar em sexto lugar na turma de Ciências Sociais. De repente um filme se passou em minha cabeça: aquele jovem que antes achara intransponíveis os muros da universidade era agora um universitário, título que naqueles idos era muita coisa, ainda mais para uma pessoa de origem pobre. Via enfim que a Fafi e seus mestres “feras” era real e que poderia desfrutar dos conhecimentos na “Luz do Oeste Paulista”. Tudo era mágico para mim, inclusive os veteranos que me aplicaram o trote, me sujaram de tinta e rasparam minha cabeça. Foi com alegria que puxamos uma carroça cheia de veteranos na Avenida Manoel Goulart, recebendo ovos na cabeça até chegarmos à piscina da Prefeitura, onde tomamos banho sob os olhares curiosos das pessoas.

Depois a magia se estendeu aos professores, sobretudo aqueles mais conhecidos, mais falados. A primeira aula de Filosofia, do Francisco José Peixoto da Costa Félix, foi histórica. Ele era português e era refugiado do regime fascista do Salazar em Portugal, o que o credenciava mais ainda em nosso meio de críticos estudantes de Ciências Sociais. Ele começou falando de Marshall McLuhan e terminou falando em Nietzsche (Assim falava Zarahustra). Outro professor esperado foi o Dióres Santos Abreu, de História Geral. O Dióres havia sido meu professor no Ginásio em Regente Feijó e era o máximo para nós. Professor moderno, simpático, bem formado, e extremamente elegante como pessoa.

Outra pessoa que cativou de cara a nossa turma foi a Maria Ângela D'Incao, de Sociologia. As aulas dela nos faziam entrar em contato ao vivo com a “linguagem sociológica”, tão falada por Florestan Fernandes. Lembro-me até hoje de “crucial”, “interação social”, “imbricamento”, “status quo” e tantos outros. A verdade é que todos aqueles quatro anos na Fafi, mesmo sendo os “Anos de Chumbo” da ditadura militar, foram fundamentais para estruturar o meu pensamento e botar ordem nos referenciais para levar a vida pela frente, onde estivesse.

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