A luta entre razão e emoção

OPINIÃO - Gaudêncio Torquato

Data 15/01/2020
Horário 04:32

O mote da década de 50 acompanhou por muitos anos a vida dos consumidores: “vale quanto pesa”. O símbolo da balança, estampado na embalagem, não apenas garantia a legitimidade do “sabonete das famílias”, mas reforçava o conceito de verdade. De lá para cá, a verdade passou a perder substantivos e a ganhar superlativos, dando vazão ao bordão desses tempos virtuais: “vale muito mais do que pesa”. Essa versão embala anúncios de propaganda, expressões sobre pessoas, políticos e jogadores de futebol.

A observação cai bem no momento em que a política no Brasil começa a rejeitar os velhos paradigmas. Nesse ano eleitoral, o superlativo dominará a expressão política, a verdade se cobrirá com as cores da ficção, sob a capa de fake news, e o mundo real dividirá suas cores com o mundo virtual.

O cenário da razão deixa ver, na linha de frente, eleitores conscientes, autônomos, exigentes, que já não agem ao estilo que o vulgo costumava recitar em ditos politicamente incorretos: “Maria vai com as outras”.  O campo da razão disputará o processo decisório com o espaço da emoção. Basta medir a temperatura do meio ambiente ou ver o desfile de adjetivos nas redes sociais, onde o palavrório bolsonarista é confrontado pelo verbo oposicionista, expandindo a polarização.

Indignação, revolta, ódio se amalgamam nas bandas que dividem a sociedade: os adeptos, eleitores e simpatizantes do presidente Jair; os oposicionistas de partidos de oposição e contingentes que não leem pela cartilha da direita-radical-conservadora; e os centristas, que olham para os lados e para cima, à procura de novos protagonistas.

Bolsonaro, de um lado, e Lula, de outro, são os dois líderes do cabo de guerra. Ambos se esforçam para antecipar a campanha, usando metralhadoras expressivas para agregar parceiros das bandas. Ora, quando falta água na fonte da razão, os dois correm para beber na fonte da emoção. Mas a movimentação social no Brasil, nos últimos tempos, mostra que a razão, como mecanismo para a tomada de decisões, amplia laços, inclusive nos setores populares, tradicionalmente conhecidos por agir sob emoção.

Dito isto, é o caso de perguntar: que vetor terá mais influência em campanhas? Em nossas plagas, a emoção ganha da razão. Mas se expande a cada ciclo político. Por quê? Por causa de mudanças no campo individual. A pessoa, escondida no anonimato na massa, descobre que pode se transformar em cidadã. A cidadania deixa de ser bandeira de instituições e ingressa no repertório mental do indivíduo, passando a ser meta desejada. Ou seja, amplia-se a "consciência do eu" em contraponto ao conceito do "nós", esteira da propaganda política.

Maior autonomia fortalece o desenvolvimento de uma autogestão técnica, pela qual os indivíduos passam a traçar rumos e a selecionar os meios, recursos e formas para atingir seu intento. Rejeitam ou aceitam, com restrições, pressões do poder normativo. Equivale a dizer que fogem dos "currais" psicológicos que enclausuram pensamentos. 

Em suma, o campo social alarga o universo do discurso, a rebeldia das formas e provoca a rejeição a tudo que se assemelhe a totalizações. Classes sociais e categorias profissionais, usando suas tubas de ressonância, desfraldam bandeiras de defesa.  Se muitos segmentos ainda votam com a emoção, outros buscam apoio nos pilares da razão: o voto sai do coração para subir à cabeça.

 

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