Coronavírus e as demissões

Muito se anunciou, ao longo dos últimos dias, acerca da postura tomada pelo governo federal, por intermédio do Decreto Legislativo 88/2020, onde restou decretado à existência de estado de calamidade pública em nosso país, tendo por consequência direta o “fechamento” de diversos estabelecimentos comerciais e empresariais privados em todo o território nacional.

Nesta toada, diversos micros e pequenos empresários (diga-se: empregadores), assim como grandes conglomerados industriais, tiveram de paralisar suas atividades por força de lei federal, acarretando-lhes diversos impactos econômicos e, por consequência, a necessidade de revisão do seu quadro funcional de trabalhadores, tendo por fim a realização de dispensas de muitos destes colaboradores.

Em meio a um mar de incertezas, é certo que a situação pode se agravar ainda mais, gerando, além das demissões em massa, efeitos perenes sobre a forma de trabalhar.

Diante deste contexto, uma vez ocorrendo referidas dispensas em massa, tendo o empregador viabilizado a quitação integral dos haveres rescisórios destes colaboradores, ao menos em tese, os problemas estarão “estancados”, o que decorre do próprio poder direcional/de gestão do empresário/empregador em dispensar seus colaboradores.

Por outro lado, não tendo o empregador a possibilidade de manter os empregados/colaboradores nas atividades laborais, porém, uma vez dispensados sem o recebimento das verbas rescisórias a que fazem jus, o caminho, por óbvio, será a judicialização da questão perante a Justiça Trabalhista.

Isto posto, no caso de a atividade econômica não resistir aos graves impactos desta paralisação imposta pelo governo federal, estadual e/ou municipal, seja por consequências do isolamento, seja pelo afastamento social destes empregados, é dado ao empregador a possibilidade legal de rescindir o contrato de trabalho dos empregados, sem justa causa, pagando-lhes as respectivas verbas, utilizando-se da modalidade de dispensa denominada por motivo de força maior.

Em tal modalidade de dispensa por força maior, caberá ao empregador o pagamento em favor do empregado demitido as verbas rescisórias inerentes, porém, o primeiro ficará desobrigado, em tais circunstâncias, do pagamento do aviso prévio indenizado ao segundo, bem como será reduzido para o patamar de 20% a multa indenizatória do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). Nesta ocasião, o empregado não receberá o seguro-desemprego, restando o empregador sujeito ao pagamento das demais verbas trabalhistas, a saber: saldo de salário, férias vencidas e proporcionais, 13º salários e levantamento do saldo de FGTS, tudo nos termos do que dispõe os artigos 486 e 501 da CLT.

Em resumo, portanto, a extinção do contrato de trabalho por força maior desobriga o empregador do pagamento de aviso prévio, assim como, a indenização compensatória sobre os depósitos do FGTS restará reduzida de 40% para 20%, ao passo que a extinção do contrato de trabalho nestes termos não é hipótese legal de habilitação do empregado dispensado no seguro-desemprego, posto que não constante do artigo 2º da Lei 7.998/90.

É importante destacar que, diante deste cenário atual de pandemia, também há outra forma de dispensa, qual seja: o fechamento da empresa ou estabelecimento comercial em decorrência do Factum Principis (fato do príncipe), espécie do gênero força maior, que se denomina pelo ato ou determinação de autoridade governamental, em que a empresa tem de encerrar ou paralisar a sua atividade por determinação da autoridade pública.

Neste caso, caberá ao empregador a quitação, em face do empregado, de todas as verbas rescisórias inerentes à dispensa na modalidade sem justa causa, contudo, a indenização de 40% sobre o saldo rescisório de FGTS ficará sujeito ao ente estatal responsável pelo ato que decretou o fechamento do estabelecimento comercial.

Ressalta-se que o fato do príncipe é espécie do gênero força maior, devendo ocorrer para a sua configuração um evento inevitável e imprevisível que o empregador não tenha concorrido para que este se realizasse, isto é, não deve haver nexo causal entre o evento e a conduta do empregador.

Parafraseando a doutrinadora e advogada trabalhista Vólia Bomfim Cassar, a denominada “Teoria do Fato do Príncipe” funde-se na premissa de que a administração pública não pode causar danos ou prejuízos aos seus administrados, ainda que em benefício da coletividade; desse modo, sendo inevitáveis os prejuízos, surge a obrigação de indenizar.

Portanto, havendo o fechamento ou encerramento do estabelecimento comercial em decorrência do afastamento social das pessoas, resultante deste cenário atual de pandemia, certo é que pode vir a ser alegada pelo empregador a hipótese de extinção do contrato de trabalho por força maior.

Por outro lado, é importante que se diga que se mostram diferentes as situações fáticas abarcadas por shoppings, teatros, cinemas, comércio não essencial, em que houve determinação expressa via decreto federal para o fechamento e encerramento de suas atividades. Nestes casos, a extinção da empresa ou do estabelecimento é hipótese de fato do príncipe, por decorrer de ato da administração pública.

Por derradeiro, finalizando as breves considerações ao tema urgente e de grande relevância à sociedade de empregadores e empregados, forçoso ressaltar que os entes sindicais, mediante negociações coletivas, são partes imprescindíveis em tempos de crise para atuarem visando a mitigação de controvérsias, ressaltando-se a necessidade de sempre estarem acompanhados à mesa de negociação da devida e necessária presença de um advogado especializado na seara trabalhista, pois passivos trabalhistas “descontrolados” também acarretarão no fechamento de empresas e estabelecimentos comerciais.

 

 

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