Descriminalização do aborto

OPINIÃO - Arlette Piai

Data 14/08/2018
Horário 05:00

Só ao soletrar palavra aborto, as mulheres sentem-se tocadas. Provavelmente, nenhuma mulher do mundo possa sentir prazer ou indiferença a essa prática. Também a argumentação de que todo ser humano é senhor do seu próprio corpo podendo dele fazer o que lhe convém, é questionável. Ademais, no corpo de uma mulher grávida há possibilidade de um novo nascer, cujo destino a ela não pertence. Portanto, esse argumento é bastante frágil.

Não obstante, penso que a descriminalização do aborto é algo que deve ser polemizado, sim, e com sensibilidade. Mulheres ricas praticam-no nas melhores clínicas, com higiene, conforto e segurança. Enquanto mulheres pobres, majoritariamente as negras, morrem, pois não têm recursos para bancar uma dessas clínicas clandestinas. Colocam, então, a própria vida em risco em mãos de falsários.

Dados: Em países onde o aborto é legalizado, 26 milhões de mulheres praticam-no todos os anos, e aproximadamente, de 312 a 340 delas morrem por complicações.  Em lugares onde o aborto é ilegal, 20 milhões de mulheres praticam aborto e, em média, 66 mil são levadas a óbito. É difícil ficar insensível frente a essa realidade. 

Há diferença entre legalização e descriminalização do aborto. A primeira ocorre com direito legal, as mulheres são protegidas pela lei e todas as sansões, eliminadas. No caso da descriminalização, o ato não é ilícito do ponto de vista penal, ou seja, a mulher não é presa, mas pode sofrer punições administrativas como multa, por exemplo.

A educação, com certeza, é a base de tudo e aguardamos que sejam eleitos os que priorizam, de fato, esse fator, o mais significativo para a nação brasileira. No entanto, diante dos fatos que ocorrem hoje no Brasil, não é possível a indiferença.

A seguir, cito o relato de uma anônima que praticou aborto: “O senso comum diz, entre outras coisas, que o sonho de toda mulher é ser mãe, que só nos tornamos completas quando temos filhos, que o relógio biológico sempre fala mais alto. Será? Minha reação ao ver o médico me mostrando o feto na tela durante uma ecografia (ultrassonografia) e ao ouvir o coração dele batendo foi: ‘isso não é possível’. O médico me dando parabéns e eu muito assustada. O senso comum também diz, entre outras coisas, que quem engravida é porque quis, porque não tomou cuidado. Nem sempre é assim. Eu não sabia e, para quem, como eu também não sabe, o aborto não termina aí. A dor moral e física não terminam aí. Por sorte, não tive hemorragia forte, não precisei de curetagem, não fiquei hospitalizada. No entanto, para terminar de limpar o útero precisei tomar um remédio (medicação pós-aborto) durante 3 dias. Foram 3 dias sentindo vontade de vomitar, tendo cólicas fortíssimas, sem conseguir nem andar direito; chorando quando a dor voltava. Pecadores são rápidos em julgar o pecado alheio. Também já o fui. Percebi que o julgamento é inútil quando se trata da vida alheia – quem sou eu para julgar alguém a partir dos meus valores, das minhas crenças? Do que servem minhas experiências para a vida de alguém que não sou eu? Você quer ter um filho? Eu não queria. Talvez amanhã eu queira muito ter um filho e você não. Você sabe o dia de amanhã? Algum de nós sabe? Então, por que condenar?”.

Para o encerramento deste artigo, volto à questão: descriminalizar, legalizar ou criminalizar a prática do aborto?

 

 

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