Rótulo, grife, acessórios

OPINIÃO - Arlette Piai

Data 11/03/2019
Horário 06:50

O poeta e pensador Oscar Wilde, num lance de iluminação declarou que há duas tragédias na vida: uma não conseguir o que se quer; outra conseguir o que se quer.  Tal declaração nos leva à reflexão acerca do Brasil e também das nossas próprias vidas. Até que ponto foi válida a conquista da “democracia sem limites” que quase nos levou a perda da República? O sucesso da Dilma Roussef nas urnas foi bom ou desastroso para o Brasil? E para ela própria? E a espera de Lula por mais 20 anos na insistência para estar presidente da República do Brasil, bom ou trágico? 

Essas indagações me remetem à década de 70, época em que minhas pequeninas filhas ensaiavam seus primeiros passos, enquanto a ditadura assombrava com seus passos longos. Os artistas de teatro por ter suas casas de espetáculo invadidas pela polícia migraram para a TV e fizeram novelas de arte e beleza jamais ocorrida antes ou depois dessa fase. Nessa época surgiu na TV o maior galã de todos os tempos: Eduardo Tornaghi, dono dos olhos azuis mais lindos que enfeitavam o rosto do mais belo e talentoso artista. Tornaghi  entre as décadas de 70 a 80, fez 15 filmes e 22 novelas e angariava altíssimo salário.  Enfim: era o homem mais afortunado e mais famoso; entretanto ele declarara que tinha tudo que alguém pudesse desejar. Menos a si mesmo. 

O ator conta que passou a ser tão admirado, assediado e endeusado que até próprio ficou convencido de que era mesmo “um ser superior”; título que lhe fora oferecido gratuitamente pelas fãs. Disse que certo dia fora abordado na rua por duas fãs e as desrespeitou; pior, elas acharam bonitinho.  “Ele é temperamental”, disseram elas sorrindo. E assim a alienação de fãs e eleitores faz nascer “deuses destruidores”.  Por esse mesmo caminho nasceu Hitler, Mussolini, Getúlio Vargas no Brasil e tantos outros.  Entretanto, Tornaghi refletindo o caminho que a correnteza o conduzira, resolveu assumir o comando da sua própria vida. Recusou a glória, a fama, o poder e as propostas milionárias da Globo que ele relata que ter sido a síntese dos degraus para a desagregação da sua essência humana. Tendo acordado da cegueira, Tornaghi mudou de vida por opção e hoje já idoso executa atividades simples e trabalho faz voluntário. Pirou?  Perguntou um repórter que o entrevistou aludindo ao antigo rompimento com o contrato da Globo. Resposta: “Eu percebi que, quem tem tudo não tem nada", advertiu. A felicidade não está fora, está dentro da gente. “Ser famoso, rico, trabalhar na televisão satisfaz o ego, mas o preço para mim foi perder a mim mesmo.”

Esse mesmo caminho o fez as talentosas e afortunadas Ana Paula Arósio, Brigitte Bardot e outros engolidos pelo poder.  Esse mal que fãs, eleitores fazem endeusamento seus ídolos nos leva a questionar o ponto de alienação que grande parte da população chegou. Há alienação em todos os aspectos da nossa sociedade: seja de reverência ao poder econômico, reverência ao poder político, reverência ao poder social e reverência ao poder intelectual.

Constroem-se altares que corroem “os eleitos”. Cria-se vida vazia, fútil, violenta com negação dos mais nobres valores da vida. Rótulo, grife, acessório; eis a expressão do que é valor, do que é admirado, reverenciado, e até sacramentado nos dias de hoje.  A reverência ao vazio, e às “embalagens” é a correnteza que está nos levando; é o espelho que reflete nossa nação. Com certeza, não é essa a construção do Brasil que queremos.  

 

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