“É aqui que vende uva?”

Roberto Mancuzo

CRÔNICA - Roberto Mancuzo

Data 15/06/2021
Horário 07:00

A comunicação nossa de cada dia. Já reparou como nós nos comunicamos, diversas vezes, muito mal? Com certeza alguém já esteve em apuros por não conseguir ser entendido.
Até nós jornalistas, que devemos zelar pela comunicação, às vezes escorregamos na língua portuguesa, na construção de alguma frase, e isso nos coloca em situações difíceis de sair.
Isso não é de agora e pior não escolhe classe, raça ou país. 
Graciliano Ramos, em sua obra “Vidas Secas”, conta a história de uma família de retirantes castigada pela seca no Nordeste. Entre outros problemas encontrados por seus membros, a comunicação é talvez o caso mais grave. E Graciliano conseguiu expressar isso de uma forma perfeita e compreensível. O personagem central da história, Fabiano, sofre constantemente por não saber como revelar sua indignação, seus medos e até mesmo suas alegrias.
É um produto do meio em que vive, claro, mas podemos colocá-lo na realidade de hoje. O papagaio da família do vaqueiro, que depois virou comida em momento de aperto (coitado), expressava isso, repetindo pouquíssimas palavras. Fabiano mesmo foi parar na cadeia por não saber explicar ao soldado amarelo um entrevero durante uma festa na vila. E seu patrão tirava-lhe até a última gota de dinheiro, com trapaças bem armadas.
Às vezes também, a falta de comunicação, ou a comunicação ineficiente, nos leva a situações engraçadas. 
Certa vez estava na cidade de meus pais, em Junqueirópolis, e eu e meu irmão fomos até um sítio para comprar uvas. A cidade é reconhecida nacionalmente pela qualidade desta fruta e toda vez que retornava da faculdade para passear eu dava um jeito de comprar uns cachos.
Mas desta vez, minha mãe havia indicado um sítio diferente e eu mesmo não sabia direito como chegar. Fomos meio ao rumo pelas estradas de terra e chegando por lá, perto da casa-sede, precisava saber se era ali o endereço. 
O negócio é que nem conseguimos sair do carro. Havia em volta do automóvel pelo menos uns seis cachorros, daqueles caramelos bravos, de sítio mesmo, nervosos porque estávamos invadindo seu território.
Abaixei um pouco o vidro e perguntei de longe para a mulher do produtor que havia saído na janela:
 
- “É aqui que vende uva?”

Ela respondeu:

- “Sim, é aqui mesmo”.

Fechei logo o vidro e meu irmão falou que ia ser difícil sair por causa dos cachorros. 
Abaixei de novo o vidro e perguntei: 

- “E os cachorros?”. 

Veio a resposta: 

- “Olha moço, os cachorros a gente não vende, porque a gente cria eles (sic) desde pequeninho...”
 

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