Clarence Brown foi um famoso diretor de cinema que produziu refinados melodramas para os estúdios Metro-Goldwyn-Mayer nos anos 30 e 40, dentre eles, “Ingratidão” (“Of Human Hearts”), de 1938. A trama conta a história do Reverendo Ethan (Walter Huston) e sua esposa Mary, bem humildes, que resolvem se fixar em uma aldeia pobre e ter uma vida cheia de sacrifícios. No entanto, o filho deles Jason (James Stewart) não aceita os ideais dos pais e almeja ter um futuro promissor, ser médico e ganhar dinheiro. Após uma briga séria com o pai, o rapaz segue para estudar Medicina e a mãe passa um grande número de privações para conseguir dar o dinheiro mensal para os estudos do garoto. Um dia, um fato o faz perceber o quão ingrato tem sido, com os esforços de sua mãe. O filme se passa na Guerra Civil americana, foi produzido há 85 anos e continua atual, quanto às questões familiares.
“Dona Biá e a decisão de ser feliz”
Dona Biá tinha uma vida difícil. Casou cedo, aos 14 anos naqueles longínquos anos 40, com um primo, como era comum por aquelas bandas, pois não tinham muitos pretendentes e a família se arranjava entre si e os vizinhos. O casamento durou pouco, pois o marido morreu jovem de tuberculose, e aos 20 anos restou a ela lutar e trabalhar para criar os cinco filhos. Foram anos de dura lida, na roça, em casa de família, como lavadeira e passadeira até todos ficarem moços e estudados, como ela sempre quis. Nunca ninguém viu Dona Biá triste, sempre com um sorriso de poucos dentes na boca, e uma oração para agradecer cada dia de vida. O filho mais velho foi o primeiro a ir embora. Foi trabalhar em outra cidade, por ali casou, e foi ficando, rareando cada vez mais seus contatos. Dona Biá sempre justificando e entendendo seus motivos. O segundo filho trouxe dor e provação, pois morreu cedo, mas ela buscou mais energia ainda para prosseguir com a luta pelos outros três. O terceiro e o quarto brigaram um com o outro, sempre acusando predileção da mãe por um ou por outro, e plenos de mágoa, e cheios de si, foram deixando a mãe de lado, que tentava apaziguar as diferenças. Contudo, a chegada de noras e netos só serviram para aumentar as rivalidades e criar abismos de orgulhos feridos. Restou o caçula, o mais estudado. Demorou a casar porque focou no crescimento pessoal e virou doutor. Que orgulho para Dona Biá, e que fardo para o jovem doutor. Envergonhado daquela mãe simplória que não combinava com sua nova roda de amigos e que destoava da mãe tão chique de sua esposa. A vergonha foi criando distância e a ingratidão foi lavada em pagamento: o doutor pagava tudo para limpeza de sua consciência e tranquilidade de bom filho. Dona Biá continuava com o coração cheio de amor, justificando e sublimando cada defeito de seus filhos, o abandono sempre tinha um motivo: falta de tempo, trabalho demais, muitos problemas para resolver. E não era da boca para fora, Dona Biá conseguia ser feliz e achava suas migalhas como presentes do céu. Não vestiu o manto da tristeza, do sofrimento, da amargura e tornou leve o peso da ingratidão. Resiliente na vida, se tornou um filtro de impurezas nas suas próprias emoções. Tinha tudo para ser infeliz, mas esta opção não existia: Dona Biá decidiu ser feliz.
Dica da Semana
Livros
“Roberto Carlos: Outra Vez”
Autor: Paulo César de Araújo. Editora Record. Uma minuciosa pesquisa que narra o começo da vida e da carreira, da infância de menino pobre ao estrelato como o rei da música brasileira. Este Volume I abrange as décadas de 1941-1970. Uma biografia não autorizada que é resultado de uma histórica briga judicial com decisão favorável do STF.