“O ovo e a galinha”

Li o conto de Clarice Lispector chamado “O ovo e a galinha” e surpreendi-me, ainda mais, com a sua genialidade. O ovo ou a galinha é uma referência a um velho dilema de causalidade que surge da expressão: O que veio antes, o ovo ou a galinha? Considerando que a galinha nasceu do ovo e o ovo foi colocado pela galinha, seria difícil determinar o responsável pela criação original. A complexidade e a profundidade do conto voam muito além da resposta sobre quem nasceu primeiro.  
“A resposta é a desgraça da pergunta”, escreveu Maurice Blanchot (1907-2003), jornalista, escritor e critico literário francês. E o conto de Clarice Lispector é um convite instigante em direção às perguntas infinitas, sobrevoando em direção à resposta nenhuma. Quem é que possui a resposta para a verdade absoluta? Qual é a verdade última ou absoluta? Eis um trecho do conto “O ovo e a galinha”: “De manhã na cozinha sobre a mesa vejo o ovo. Olho o ovo com um só olhar. Imediatamente percebo que não se pode estar vendo um ovo. Ver um ovo nunca se mantém no presente: mal vejo um ovo e já se torna ter visto um ovo há três milênios. - No próprio instante de se ver o ovo ele é a lembrança de um ovo. - Só vê o ovo quem já o tiver visto. - Ao ver o ovo é tarde demais: ovo visto, ovo perdido. - Ver o ovo é a promessa de um dia chegar a ver o ovo. - Olhar curto e indivisível; se é que há pensamento; não há; há o ovo. - Olhar é o necessário instrumento que, depois de usado, jogarei fora. Ficarei com o ovo. - O ovo não tem um si-mesmo. Individualmente ele não existe”. 
Aos olhos de Clarice Lispector, o que estaria pensando ao referir-se ao ovo e a galinha? Quando você olha para um ovo, o que “vê”? Ela diz: Ovo visto, ovo perdido. O que estaria nos levando a pensar? E você leitor, o que estaria pensando? Olha para o ovo e vê somente o ovo? Ela diz: “Ver um ovo nunca se mantém no presente: mal vejo um ovo e já se torna ter visto um ovo há três milênios”. 
E a frase: “Olhar curto e indivisível; se é que há pensamento; não há; há o ovo”. Você estaria, atualmente, com o seu “olhar curto e indivisível”? Sendo assim, não há pensamento. O que Clarice Lispector estaria nos instigando a pensar quando diz: “O ovo não tem um si-mesmo. Individualmente ele não existe”? Outro trecho do conto, que merece ser dividido, diz assim: “O ovo nunca lutou. Ele é um dom. O ovo é invisível a olho nu. De ovo a ovo chega-se a Deus, que é invisível a olho nu. O ovo terá sido talvez um triângulo que tanto rolou no espaço que foi se ovalando. O ovo é basicamente um jarro? Terá sido o primeiro jarro moldado pelos etruscos? Não. O ovo é originário da Macedônia. Lá foi calculado, fruto da mais penosa espontaneidade. Nas areias da Macedônia um homem com uma vara na mão desenhou-o. E depois apagou-o com o pé nu”.
Leitor, se fragmentos do conto lhe deixou confuso, pensativo e curioso, podemos conversar. Penso ser, um bom sinal. O conto causou grande alvoroço e é muito discutido até hoje, pelos maiores escritores, filósofos, sociólogos e psicanalistas. Há nele conteúdos transcendentais. Vale a pena ser lido na íntegra.
 

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