“Para diminuir a violência, precisamos de uma sociedade com igualdade de gênero”

Simone Duran Martinez, COORDENADORA DO CREAS-MULHER DE PRESIDENTE PRUDENTE

PRUDENTE - GABRIEL BUOSI

Data 07/08/2019
Horário 07:04
José Reis - Simone afirma que as mulheres precisam se encorajar para denunciar situações de violência
José Reis - Simone afirma que as mulheres precisam se encorajar para denunciar situações de violência

No dia em que a Lei Maria da Penha completa 13 anos, a coordenadora do Creas-Mulher (Centro de Referência Especializada de Assistência Social), em Presidente Prudente, Simone Duran Martinez, comenta sobre a formação em Serviço Social em 1989, o que a fez, desde então, atuar profissionalmente com ações voltadas às minorias, como é o caso das mulheres em situação de violência. A conversa mostra a preocupação da profissional, que não mede esforços para garantir, por exemplo, o acesso dos direitos às mulheres em vulnerabilidade, no trabalho que objetiva a formulação, implantação e gestão de políticas públicas.

Apesar das dificuldades e resistência do Estado para com o incentivo ao cuidado – que ela deixa claro se tratar de algo constitucional e não de caridade, a profissional afirma que se dedica para que a cada dia possa permitir que vozes sejam ouvidas, isolamentos sejam rompidos e mulheres sejam salvas. Confira abaixo a entrevista na íntegra:

 

O Imparcial: Como surgiu seu interesse em ajudar ao próximo?

Simone Duran Martinez: Desde pequena sempre fui muito defensora das minorias. Ainda criança, para se ter uma ideia, comecei pelos animais, já que naquela época existia a carrocinha e eu fazia escândalo ao vê-la recolhendo os animais. Na época da faculdade vi a opção do Serviço Social e me interessei por saber que a profissão trabalhava com as minorias no sentido de facilitar o acesso aos direitos, melhorar a qualidade de vida e trabalhar com a inclusão social. Cheguei a dar aulas, fiz mestrado e depois me afastei para me dedicar à Prefeitura.

 

Como você classificaria a importância do serviço social a sociedade?

Em uma sociedade marcada pela desigualdade social, é uma profissão que facilita com que as pessoas tenham acesso aos seus direitos, então trabalhamos na formulação, implantação e gestão de políticas públicas, que são estratégias que o Estado deve oferecer para a atenção às pessoas.

 

Como estamos hoje em políticas públicas?

Temos uma divisão na sociedade brasileira: a era antes e a era depois da Constituição. Tivemos grandes avanços neste segundo momento e a assistência social foi colocada como um direito constitucional, o que fez toda a diferença, pois as pessoas viam isso como uma ajuda aos pobres e não é! O conceito é o de dar direito ao cidadão e não uma caridade. Tivemos, nos últimos 15 anos, um aumento muito grande no orçamento para a assistência social e tudo isso voltado à proteção social. Hoje, infelizmente, estamos em um retrocesso. E não falo apenas de problemas financeiros do país, mas da mudança de foco do governo. O recurso muitas vezes existe. O orçamento que havia sido organizado para a assistência existe, mas o foco do Brasil está em outra perspectiva e não na população pobre.

 

Quais são os prejuízos dessa situação para o trabalho de vocês?

São diversos. A política de assistência social teve cortes fatais neste ano, mas, além dos cortes, teve ainda o congelamento dos gastos que não permite mais o investimento na área. O reflexo disso nós já sentimos ao ver a situação das pessoas que precisam da assistência, como problemas com a diminuição de recursos para o BPC [Benefício de Prestação Continuada], Bolsa Família e recursos para a expansão das redes de serviços. Foram anos seguidos de avanços e que estão estagnados. Isso me preocupa e muito, pois penso nas pessoas que necessitam desse atendimento.

 

Com relação ao Creas-mulher, quais seriam as principais atribuições?

A unidade foi criada com a missão de identificar a situação de violência e acolher essa pessoa com a orientação e apoio. Nós temos um trabalho em que atendemos individualmente, mas também temos contato com a família e grupos de mulheres. Tudo depende da condição em que a mulher chega aqui. Temos uma prioridade muito grande para o trabalho em grupo, para que a mulher saia do isolamento e seja fortalecida.

 

Existe algum padrão na violência?

A violência doméstica abrange todas as classes sociais, religiões, idades e raças. Vemos, no entanto, que as mulheres pobres e negras possuem menos estratégias de proteção, o que faz com que sejam mais expostas. Contudo, não há um padrão, todas estão sujeitas a isso.

 

O que deveria ser feito para prevenção e diminuição dos casos?

São dois caminhos: em longo prazo, para a superação da violência, está a construção de uma sociedade com mais igualdade de gênero. Isso vai acontecer através da educação de gênero que ocorre desde a primeira infância, com a responsabilidade dentro das escolas com a inserção do tema nos currículos. O Brasil tem muita falta de informação sobre o que é gênero e o conceito é distorcido, por exemplo, quando as pessoas acham que isso é para falar sobre homossexualidade e sabemos que não tem nada a ver, a igualdade de gênero é a igualdade entre homens e mulheres. O outro ponto seria a efetivação de políticas públicas, pois não dá para esperar uma mudança cultural enquanto a mulher continua sendo violentada e continua morrendo. Precisamos oferecer proteção social e esses dois caminhos precisam andar juntos.

 

Falta muito para chegarmos nesse ponto? Quais são os desafios de alcançar esse objetivo?

Estávamos indo bem, pois o Brasil estava sendo referência no tipo de política pública para proteção à mulher em nível mundial. Além do que já disse dos cortes, acredito que há ainda a questão do machismo institucional. É comum encontrar essa situação, como no poder Judiciário, nos serviços públicos, saúde e educação. Ainda temos profissionais com pensamentos machistas que atrapalham a mulher que vai buscar ajuda. Um exemplo são os médicos, em situações de pacientes que foram estupradas e podem optar pelo aborto, mas que se deparam com profissionais que confundem o direito dela com a religião, o que faz com que a mulher não tenha o atendimento correto e adequado.

 

Como é o acesso das mulheres ao Creas?

É uma procura espontânea, mas temos muitos encaminhamentos da Delegacia da Mulher, Defensoria Pública e Ministério Público. Nossa capacidade de atendimento ao mês é de 50 mulheres e isso é o que atendemos normalmente, conseguimos atingir a capacidade.

 

Como é o retorno para casa depois do atendimento?

Cada uma tem suas condições e suas peculiaridades. No geral, a mulher que é bem acolhida, recebe orientação e apoio de qualidade tem chances de superar a violência. Aqui não trabalhamos com a manutenção do casamento, mas trabalhamos com a libertação da mulher, o que não a impede de ficar com o parceiro, se for a vontade dela. São linhas de atendimento, conforme a vontade da mulher assistida. Com isso, temos uma média de 76% de superação de violência para as que passam pelo Creas-Mulher.

 

Qual mensagem deixaria para quem passa ou já passou por algum tipo de violência?

Primeira orientação é que fale sobre a violência, não fique em silêncio por medo ou vergonha. Fale com a polícia, um amigo, conhecido e quando se encorajar para fazer a denúncia, vá acompanhada, pois é um momento de muita vulnerabilidade. Procure seus direitos e saiba que não é normal sofrer violência, o amor não permite que isso ocorra, é preciso saber separar o amor do direito à vida. É preciso clareza neste momento.

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