A casa interna

Há dias, tive contato com uma placa escrita “vende-se”, causando certo impacto, mesmo antecipadamente, conhecendo as intenções sobre a venda. A placa encontra-se no portão da casa onde nasci e vivi, até o dia do meu casamento. Diz um ditado popular, muito conhecido por todos nós: “O que os olhos não veem o coração não sente”. Estou pensando ou refletindo, que: O que os olhos não veem, o coração sente, sim. Intuía o que meus olhos iriam futuramente ver. Meu coração sentia e dispensava enxergar.
Meu pai faleceu em agosto de 2018 e minha mãe em agosto de 2020. A casa torna-se cúmplice em infinitas maneiras, principalmente pelas experiências vividas ali. São surpresas constantes e emoções das mais diversas, onde nasceram oito filhos e na multiplicação dos netos e bisnetos. Muitos casamentos, festas, comemorações, tristezas, perdas, danos e ganhos. O que é essa casa agora, com a ausência presentificada em cada centímetro dos meus pais?
Meu pai tinha o lugar preferido dele, o beija-flor de todas as horas e o cachorro pedindo para que coçasse sua barriguinha. Minha mãe, toda elegante, esbanjava otimismo abençoando todos ao seu redor. Há poucos meses, pelo vídeo, mandava tchau para mim, acenando com as suas finas e lindas mãozinhas. Ao seu lado, observava o cachorrinho que pedia para ser coçado como meu pai fazia, antes de falecer. Esse “tchau”, pelo vídeo, alimentava-me, emocionalmente, por meses, minha imunidade ia lá para cima. Era contagiante.
A casa esvaziou-se de algo que, dinheiro nenhum compra. Os sentimentos ali vividos fazem a memória gritar. Ausência difícil, essa do luto, não é mesmo? Uma saudade estranha. Não foi uma viagem, um curso fora do país, férias, não foi uma cirurgia... É uma partida sem volta. Acho que só a memória pode abrandar, as lembranças são boas e também ruins, pois trazem sofrimentos. Ah! Viver não é fácil. A beleza salvará o mundo (Dostoiévsky). Temos o sol, praia, Clarice Lispector, Freud, inspiração pela escrita. Tudo isso pode aliviar e abrandar as perdas. 
Viver é aproveitar a casa dos velhos, enquanto eles estão lá. Você que tem os pais vivos ou um deles, visite-os sempre. Aproveite a presença viva e real, viva cada momento. Celebre os momentos, datas festivas, vire criança, deixa a chatice de lado, dê vida a sua imaginação. Dê vida aos que vivos estão. O que dá vida a uma casa são as pessoas que a habitam. Ela vazia, quando feita de amor, é muito difícil de elaborar. A casa em que nasci está à venda, mas tenho-a guardada dentro de mim. Essa nunca terá placa.
 

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