Os anos 60 estavam chegando ao fim, os Beatles tinham terminado sua rápida passagem musical pelo mundo passando como um cometa Harley, quebrando paradigmas culturais e musicais. O sonho tinha acabado? Para essa Turma do Murinho, os sonhos não envelhecem. Na mesma calçada, encostados ou sentados no murinho, eles se sentiam imortais e dividiam na noite os sonhos e as risadas abundantes, iluminados pela luz pálida da lua. Parecia que a vida não se cansava. A juventude é gostosa como um algodão doce que ia derretendo na boca do tempo. O som das bombas da Guerra do Vietnã era abafado pelo samba de Martinho da Vila: Lalaiá-raiá, lalá laiá.
Você é o meu laia laiá... A lua já não era mais dos namorados, era dos astronautas, e eles não se importavam. O Brasil já era tri-campeão do mundo de futebol e vibrava com o piloto brasileiro de automobilismo, Emerson Fittipaldi, que se tornara campeão mundial de Fórmula 1 e eles agradeciam a sorte de serem prudentinos de corpo e de alma.
O murinho foi um símbolo, um ponto de encontro da nossa juventude, que não era transviada e nem rebelde, éramos apenas jovens sonhadores e sem rótulos sociais. O murinho ficava na Avenida Washington Luiz, em frente a minha casa de número 501, que era conhecida como a "Casa de Portas Abertas", como foi o coração de minha mãe. Impressionante o que aquele pedaço de concreto marcou a nossa juventude, a saudade continua queimando mais que o sol e permanece grande como o mar. Sempre lembramos do nosso amigo de concreto. Era nosso pequeno mundo onde deixamos um pedaço dos nossos corações cheios de ilusões.
O sorriso e a beleza angelical de Rosa Maria Peretti passaram por lá simbolizando um mundo mais romântico, puro e inocente. Quase sempre ficávamos até de madrugada batendo papo e rindo pra caramba curtindo a deliciosa vagabundagem. Meu querido primo Célio, que morava com a Família Isaac, se despediu dizendo que ia dormir. Daqui a pouco vem ele com sua escova de dente escovando seus dentes dizendo: Não posso perder um minuto sequer dessa conversa, mais risadas.
Tinha a lendária "finalização" que durava mais algumas horas de papo pro ar. Onde arrumávamos tantos assuntos? Ainda permanece um mistério da fé. O bom humor, a amizade e a criatividade ainda são os pontos fortes dessa turma. Nas altas horas da madrugada, meu pai abria a janela do seu quarto que dava em frente ao murinho, e dizia: "Fecharam algum negócio "bão"? kkkk. Todos riam do humor do meu pai. O regime militar nem passou perto do murinho, mas a música do Belchior enchia nossos corações de poesias e nossas mentes ficavam reflexivas.
Todos desejaram dançar com a nossa querida amiga Cristina Miranda, mas o bendito Marcus Júnior era um pé de valsa imbatível na arte de dançar e nós ficávamos olhando nossa amiga sendo levada com maestria por esse dançarino incansável, rodando o salão sem parar, que frustração. Meu irmão Roy aprendeu os quatro mágicos movimentos do pandeiro no murinho, ensinado pelo maestro Orozimbo e isso o levou a desfilar nas grandes escolas de samba do Rio de Janeiro, conhecendo vários países desse mundão de Deus, levando o samba dentro do seu coração prudentino.
Tínhamos muito medo dos maconheiros e droga na turma nem pensar. O cara que fumava maconha era visto como um ser de outro planeta. Ali no murinho começou a maior guerra de ovos da história, iniciada entre duas turmas da época. Estávamos no murinho quando uma camionete passou devagar e parou na nossa frente e o Ediberto (Bicho) e o Gabriel (Neniel) estavam abaixados na carroceria da caminhonete e, de repente, se levantam e jogam ovos e saem vibrando. Começa uma batalha campal e nunca vi tantos ovos na minha vida.
A "Casa de Portas Abertas" foi atacada e virou uma omelete. Correria nas ruas, avenidas e ovos estourando nas cabeças, peitos, pernas ou nas costas, não tinha onde mais pegar ou comprar ovos e no dia seguinte estourou os preços e faltaram ovos. Foi a mãe de todas as batalhas.
A brincadeira da época chamada "salvo" começava no nosso amigo de concreto. Sentar no murinho era muito desconfortável, pois sua superfície era triangular, mas a turma não estava nem aí. Hoje a "Casa de Portas Abertas" virou um laboratório de análises clínicas e o murinho também foi vítima do progresso e no seu lugar está uma clínica médica. Ontem, quando éramos jovens, não ligávamos para o tempo, hoje não temos tempo a perder. Estamos caminhando com a saudade olhando para além do horizonte cantando “Help” dos Beatles e sentindo que a lua sempre será dos namorados. Valeu murinho.
Na foto, da esquerda para a direita: Antero Moreira França, Orlando Henrique de Melo (Diorla), Nelito (in memoriam), Duca, Persio, Teco, Tiago, Célio, Mazetti (in memoriam), Alceu Macuco, Tadeu Ciabatari, José Roberto Marcondes e Sérgio Terrin.