Aulas de tricô

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 10/01/2021
Horário 06:10

Qual é a imagem mais antiga em sua memória de quando era criança?
Eu me lembro de cenas cotidianas que ocorreram quando eu tinha apenas 3 ou 4 anos. Talvez elas tenham ficado marcadas por causa da mudança da família de Uberlândia para São Paulo e tudo o que isto significou em termos de novos relacionamentos e descobertas. Mas esta é outra história. Voltemos para aquelas imagens mais remotas.
Não sai da minha memória algumas brincadeiras infantis. Eu sou do tempo que criança brincava “lá fora”, explorando as novidades da rua. E a rua onde eu morava era de terra e terminava abruptamente no córrego São Pedro.
Nem me passava na cabeça que o São Pedro é um córrego que deságua no rio Uberabinha, próximo ao ainda famoso Praia Clube. E que ele delimitava o fim da mancha urbana, transformando-se quase numa barreira instransponível para a expansão da cidade em direção às terras dos Martins ou das redondezas do Cajubá. Simplesmente o São Pedro era o “rio da minha aldeia”, que delimitava o meu universo da vida do brincar “lá fora”. Sabíamos que era proibido atravessar o córrego São Pedro e explorar o que havia do “outro lado”. A brincadeira era sempre do “lado de cá”. E criança inventa, né? Passávamos horas colecionando diferentes seixos e gravetos largados nas margens do São Pedro. Rapidamente este material se transformava numa fazenda imaginária e o mundo inteiro cabia ali. Sem muita cerimônia, nossa coleção de pedras e gravetos podia se transformar em munição para arremesso de objetos à longa distância nas incontáveis ruas de terra ao nosso redor.
Acho muito curioso quando sou surpreendido com notícias sobre gigantescas inundações que ocorrem na Avenida Rondon Pacheco. Foi assim que terminou o ano em Uberlândia. Carros arrastados pela enxurrada, cenas de muita apreensão. E o jornalista coloca culpa na chuva... coloca culpa no São Pedro. Esquecem-se de quem roubou o meu mundo, de quem cobriu o córrego São Pedro e o transformou na principal artéria de ligação da cidade, cobrindo de concreto e asfalto tudo o que havia ao redor!
Daqui 50 anos, quais serão as imagens mais remotas que ficarão na memória das crianças que viveram na pandemia? Outro dia eu fiz uma pergunta imbecil para o meu neto Lucas: que aula você está gostando mais, português ou matemática? E ele me respondeu, sem a menor dúvida: a aula que eu mais gosto é de tricô! Eu achei genial a atividade proposta pela professora dele e fiquei morrendo de inveja do Lucas. Eu também quero aprender tricô. Nada melhor para estes tempos sombrios. Vai passar!

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