Caras malucos

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 23/08/2020
Horário 04:57

O teatro foi uma forma de manifestação artística muito forte na minha juventude.  Eu frequentava casas de espetáculo importantes para a dramaturgia brasileira, como o Teatro Oficina, o Teatro Brasileiro de Comédia e o Tuca (Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Mas eu também tive experiências teatrais na escola. Estava relembrando passagens divertidas que vivi, ao reler o livro que reúne as memórias dos 50 anos do Colégio Equipe de São Paulo. 
Hoje eu quero contar para vocês a minha experiência no “Rei Momo”, peça teatral de César Vieira, codinome de Idibal Pivetta, dirigida pela Laura Tetti, professora de história. A trupe era formada por mais de 40 alunos da escola, nas mais diversas atividades: encenação, música, figurinos, coreografia e cenografia. “Rei Momo” é uma peça que eu recomendo a leitura. Trata-se de uma espécie de ópera-samba cantada e tocada por uma verdadeira bateria de escola de samba, feita por nós alunos, sob a direção musical do Zé Maria, professor de matemática. O enredo começa com a chegada de Dom João VI e da corte portuguesa ao Brasil, e culmina com a crítica da tomada da coroa sem a participação do Cidadão Samba, representando o povo brasileiro. Foi escrita de forma a que o censor da década de 1970 não pudesse entender as sutilezas da crítica política. E como esse assunto é atual!
Durante três finais de semana, o teatro da escola ficou lotado, tanto no sábado como no domingo. Depois a peça seguiu uma temporada itinerante. E foram inesquecíveis as apresentações na favela Jardim São Remo, atrás da USP, nos salões comunitários dos bairros mais afastados e isolados da cidade e em qualquer escola de periferia que nos recebesse. 
Um dia, chegamos às quatro da tarde numa escola para a apresentação da noite. O local tinha água e barro até os joelhos. O pessoal da comunidade querendo adiar e a gente: “Não, viemos aqui, vamos fazer!” Criamos uma corrente humana com baldes e íamos passando de um em um, até jogar a lama do outro lado do muro. E toma pano, e torce pano, e enxuga chão. “Vocês são loucos!” E a gente: “Nós vamos nos apresentar hoje!” Só que, como tinha chovido muito, inundou tudo ao redor também, estávamos ilhados, de modo que, na hora da apresentação, só havia três pessoas na plateia: o diretor da escola, sua mulher e sua filha. Então, naquele palco improvisado, os 40 componentes fizeram o espetáculo para apenas três pessoas. Hoje penso que o diretor, entredentes, devia estar dizendo à mulher, sorrindo: “Querida, só ri e aplaude, que esses caras são malucos!”

 

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