Caras malucos

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 05/06/2022
Horário 04:30

O teatro foi uma forma de manifestação artística muito forte na minha juventude.  Eu frequentava casas de espetáculo importantes para a dramaturgia brasileira, como o Teatro Oficina, o Teatro Brasileiro de Comédia e o Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Tuca). Mas eu também tive experiências teatrais na escola. Estava relembrando passagens divertidas que vivi ao reler o livro que reúne as memórias dos 50 anos do Colégio Equipe de São Paulo *
Hoje eu quero contar para vocês a minha experiência no “Rei Momo”, peça teatral de César Vieira, codinome de Idibal Pivetta, dirigida pela Laura Tetti, professora de história. A trupe era formada por mais de 40 alunos da escola, nas mais diversas atividades: encenação, música, figurinos, coreografia e cenografia. “Rei Momo” é uma peça que eu recomendo a leitura. Trata-se de uma espécie de ópera-samba cantada e tocada por uma verdadeira bateria de escola de samba, feita por nós alunos, sob a direção musical do Zé Maria, professor de matemática. O enredo começa com a chegada de Dom João VI e da corte portuguesa ao Brasil, e culmina com a crítica da tomada da coroa sem a participação do Cidadão Samba, representando o povo brasileiro. Foi escrita de maneira que o censor da década de 1970 não pudesse entender as sutilezas da crítica política. E como esse assunto é atual!
O teatro da escola ficou lotado durante três finais de semana, tanto no sábado como no domingo. Depois a peça seguiu uma temporada itinerante. E foram inesquecíveis as apresentações na favela Jardim São Remo, atrás da USP (Universidade de São Paulo), nos salões comunitários dos bairros mais afastados e isolados da cidade e em qualquer escola de periferia que nos recebesse. 
Um dia chegamos às quatro da tarde numa escola para a apresentação da noite. O local tinha água e barro até os joelhos. O pessoal da comunidade querendo adiar e a gente dizia: “Não, viemos aqui, vamos fazer!” Criamos uma corrente humana com baldes e íamos passando de um em um, até jogar a lama do outro lado do muro. E toma pano, e torce pano, e enxuga chão. “Vocês são loucos!” E a gente: “Nós vamos nos apresentar hoje!” Só que como tinha chovido muito, tudo ao redor também estava inundado. E na hora da apresentação só havia três pessoas na plateia: o diretor da escola, sua mulher e sua filha. Então, naquele palco improvisado, os 40 componentes fizeram o espetáculo para apenas três pessoas. Hoje penso que o diretor, entre dentes, devia estar dizendo à mulher, sorrindo: “Querida, só ri e aplaude, que esses caras são malucos!”

* Equipédia, O livro dos 50 anos do Colégio Equipe. São Paulo, Grupo Educacional Equipe, 2019
 

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