Divina

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 06/09/2020
Horário 05:30

Outro dia Lucas me perguntou: - Vovô Raul, você tem duas mães? Encantado com sua linda curiosidade infantil fiquei pensando no mito do amor de mãe e na figura materna moldada em minha curta existência. Dona Zete, a matriarca da família e seu legado marcado por fortes mulheres, como a vovó Filhinha, a Mãe Ivone... Fiquei pensando na doçura do sorriso de Dona Darcy e nas qualidades de mãe de minhas irmãs e filhas. Lembrei-me de Pachamama, a grande mãe do povo andino, provedora de todos os alimentos e protetora de seus filhos. E Pachamama convocou outras deusas e o profundo respeito à figura da mulher nas inúmeras culturas indígenas. Enfim, revelou a enorme diversidade de figuras maternas que povoam as nossas vidas. É Lucas, seu menino sapeca, quantas mães mais eu tenho? Quantas mães cada um de nós tem?

Hoje eu quero falar do mito do amor materno profundamente reforçado em mim pelo fenômeno, denominado pelo feminismo de “marianismo”, o que gira em torno do culto à figura da mãe de Jesus, espiritualmente mais forte e superior a todos nós, reles mortais, dada sua infinita bondade e sacrifício pessoal. Isso mesmo, se tem uma figura de devoção católica que me toca e emociona é a de Nossa Senhora, por quem tenho profunda admiração... Me encanta suas infinitas representações, conforme as tradições das comunidades e manifestações de fé que a reverencia. Nossa Senhora dos Navegantes, Nossa Senhora das Graças, Nossa Senhora das Causas Impossíveis!

Quero falar da Nossa Senhora da Conceição cuja imagem, na maioria dos Estados brasileiros, foi sincretizada Mamãe Oxum – que representa a sabedoria e o poder feminino na Umbanda e no Camdomblé. Ou de Nossa Senhora de Aparecida, também associada à Mamãe Oxum na região sudeste do Brasil - ambas mulheres negras, cultuadas como mães protetoras e símbolos da fertilidade. Isso ganha significativa relevância nessa semana que nossa cidade perdeu tragicamente Dona Diva, Ialorixá da Tenda de Mamãe Oxum, casa de umbanda mais antiga de Presidente Prudente.

Querido Lucas, foi com a Mãe Diva que aprendi um pouco dos segredos da noite, procurando entender o que o galo canta lá longe. Que procurei por segredos escondidos nas encruzilhadas ou pelos sinais e rastros deixados nas matas. Ela que ensinou que por detrás das ondas do mar há uma linda sereia, lembrando as conexões entre as estrelas do mar e as estrelas que estão no firmamento. Que me mostrou as múltiplas qualidades da água, seja quando brota nas nascentes ou ganha mais oxigênio nas cachoeiras e corredeiras e se encanta no seu encontro com o mar. Lindas histórias que revelam a força da natureza como fonte primeira da vida.

Pois é, meu neto, o vento não sopra mais. Tudo é silêncio. É o profundo respeito à mãe das mães. Hoje eu resolvi falar da vida, não da morte. Viva a Diva, Divina.

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