E a vacina contra o ódio?

OPINIÃO - José Renato Nalini

Data 07/11/2020
Horário 05:26

O mundo está ansioso pela vacina contra a peste. Pode parecer que a maioria está em desabalada fuga, voltando ao que seria normal e ignorando as mil mortes diárias, mas o pesadelo é contínuo. Ilusório acreditar que o pior já passou. A volta às aulas nos Estados Unidos fez crescer, assustadoramente, o nível de contágio em crianças. Os profissionais da saúde estão extenuados e a morte de médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, atendentes e outros que ficaram na trincheira não é fator que tranquilize a categoria e menos ainda seus familiares. 
A vacina é considerada a solução infalível. Ameaçada por uma calamidade perversa, que é democrática ao eleger suas vítimas, a humanidade se comoveu e arregimentou inteligências para a fabricação do remédio que, inoculado nos corpos sãos, os deixaria livres de contrair a moléstia fatal. Válidos e urgentes os esforços. À evidência, melhor sucedidos em países que não descuidaram da ciência, o que não é o nosso caso. Aqui, o tempo é prioritariamente voltado à disseminação de tolices e de manifestações de ignorância. 
Os pesquisadores brasileiros são heróis não reconhecidos. Os cérebros são recrutados por institutos estrangeiros que valorizam a busca de fórmulas de resolução dos problemas humanos e os que permanecem aqui, não recebem o mínimo estímulo necessário. É milagre o que se consegue fazer, diante da incompreensão generalizada de sucessivos governos. 
Os espaços nas mídias são reservados aos políticos. Às fofocas e boatos. Às articulações partidárias para salvar Fundos Eleitorais, para realizar eleições em meio à pandemia, para contemplar a famigerada reeleição, elemento nefasto que só tem produzido aflição e desgraça para esta nação. 
Milagrosamente, surgem exceções no pântano da mediocridade. Uma geração espontânea de cientistas que não desistem. Não contam com aplauso, nem reconhecimento. Mas continuam a senda predestinada a salvar vidas, a reduzir males, a tornar mais humana a vida dos semelhantes. 
Enquanto se aposta a corrida para chegar ao pódio da vacinação exitosa, constata-se a insuficiência das seringas. Como inocular a salvação em 212 milhões de pessoas?  Todavia, é uma questão menor diante de um fenômeno incontestável. O que falta mesmo ao Brasil é descobrir uma vacina contra a ignorância, lamentavelmente nutrida por um crescente ódio. 
A verdade é que, a despeito de estar sujeita à insidiosa inclemência de um vírus que mata por atacado, a sociedade tupiniquim não arrefece em sua exibição de insensibilidade. Não se generalize, é óbvio. Mas as ofensas, as difamações, o humor ácido, cáustico e preconceituoso, a zombaria e o deboche, continuam a habitar nossas redes sociais. Destroem-se reputações, presume-se a má-fé, acusa-se sem prova e sem contraditório, inocula-se a maldade e semeia-se a ira.
Quando chegará o dia da descoberta de uma vacina contra o ódio e outros instintos que debilitam a crença de que somos de fato racionais?
 

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