Escrever virou pecado mortal

Roberto Mancuzo

CRÔNICA - Roberto Mancuzo

Data 22/03/2022
Horário 06:00

Sempre quando começo uma disciplina de Jornalismo ou Comunicação Empresarial na faculdade eu tenho um certo receio em dizer aos alunos que eles terão que escrever textos. Isso mesmo, escrever, aquele ato de se expressar a partir de uma escrita, seja ela alfabética ou visual, mas especialmente falando aqui do arranjo de letras, palavras e frases.  
Parece estranho para você essa preocupação? Pode até ser se sua idade está acima dos 40 anos, mas é muito natural para a chamada geração Z, nascidos entre 1995 e 2010.
Eu nasci em 1975 e cresci na chamada Cultura do Livro, ou seja, todas as informações importantes para meu crescimento estavam dispostas em livros, revistas, jornais, apostilas etc. 
Meu acesso à informação, além da escola, era pela leitura e por ler muito sempre tive também repertório suficiente para produzir textos e eles eram muito mais necessários do que hoje, quando trocamos as letras pelos sons. 
A questão é justamente essa: hoje em dia a tecnologia digital monopoliza nossas formas de comunicação, mas exige que escrevamos pouco e com o tempo fomos nos acostumando a isso. 
A forma telegráfica do Twitter a princípio foi estranha, mas logo aprendemos a mandar mensagens cada vez mais resumidas, e gostamos. O Instagram foi criado para ser uma plataforma só de fotos. O texto das legendas parece estar ali de enxerido. No WhatsApp, os áudios não demoraram para se tornar os queridinhos de quem não tem paciência para escrever uma frase com mais de cinco palavras.
Paciência, aliás, que parece ser uma das chaves desta reflexão. Escrever leva tempo, exige esforço intelectual e talvez a galera da geração Z e muitos adultos queiram gastar energia com outras coisas do que de fato se expressar por palavras escritas. 
Para alguns adultos que fugiram da escola ou sempre tiveram preguiça mesmo de ler, e por isso não escrevem, o mundo digital caiu como uma luva. Aliás, não tem nada a ver a justificativa de que o áudio agiliza mais a conversa ou que ninguém lê tanto. A questão é que não sabem mesmo ou não dominam o código porque se o conteúdo é bom as pessoas leem sim. 
Escrever, aliás, tornou-se tão nocivo hoje em dia que produz advertências estranhas nas redes sociais do tipo: “Alerta de textão!” ou “Desculpem pelo textão...”. Como se escrever acima de dez linhas fosse um crime irreparável ou uma falta de educação. 
Mas eu não vou pregar aqui que o mundo volte a ser regido pela escrita como foi desde sempre até a internet surgir comercialmente a partir de 1994. O que quero chamar atenção é a questão de conteúdo mesmo. 
Escrever da maneira tradicional não irá levar ninguém a arder no inferno. Podemos ser mais ágeis sim com áudios e vídeos, mas precisamos manter o conteúdo ou pelo menos o esforço para nos comunicarmos bem. Até porque se há algo que nos diferencia enormemente dos outros animais é a complexidade de nossa capacidade comunicativa. 
Com certeza no dia de hoje ou ontem, não sei exatamente quando lerá este texto, você deve ter conversado com umas 50 pessoas online e duas ou três offline, ou melhor, face a face. Tente, então, avaliar em qual das situações a qualidade de conversa foi melhor. 
Enfim, voltando aos meus alunos do começo da crônica, tenho receio em dizer que vamos escrever, mas não tenho dúvida em logo afirmar que é pela comunicação, pela escuta ativa, pela articulação textual e pela transparência de informações que as opiniões, os desejos e as necessidades serão expostos e avaliados. Se bem ou mal, dependerá de como foram apresentados.
 

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