Hipocondria

A histeria, a hipocondria e os fenômenos psicossomáticos representam articulações diversas do corpo com a psique, articulações essas que se expressam caracteristicamente no corpo. A hipocondria nos leva a outras considerações sobre o corpo delirante, o corpo inimigo do sujeito, o corpo como um outro, alheio, estranho, pertencente a um sistema que ultrapassa a realidade e impõe-se como uma alucinação com delírio. 
O hipocondríaco chega à analise mais raramente. E quando procura, a impressão é que, ao adentrar o consultório, quem entra realmente é somente o “órgão” e não o sujeito. A subjetividade é essencialmente, desvitalizada e des-investida. É paciente dos clínicos e cirurgiões, os quais procura na busca de curar o seu câncer ou tratar as bactérias que o estão invadindo, ou operar aquele tumor cerebral que com angustiada certeza vai levá-lo à morte. Há uma perda do juízo de realidade de tal ordem que, frequentemente, convence os médicos, levando-os a exames complementares desnecessários na busca ou do convencimento do paciente de que ele não padece de nenhuma doença orgânica, o que dá um ligeiro e breve alívio da angústia.
Psicanaliticamente falando, no hipocondríaco, o corpo sofre uma dupla clivagem. Numa, não faz parte do indivíduo, mas, ou o domina ou é por ele dominado. Noutra, divide-se em um corpo em estado de desamparo, importante, submetido às torturas de um órgão inimigo ou de inimigos externos, bactérias, vírus, câncer, que vão destruí-lo.
A ameaça é de aniquilamento, de esfacelamento, não de uma representação, mas da própria capacidade de representar, de construir vínculos associativos. Estamos no terreno do repúdio, da recusa e não do recalcamento. O que se mostra é a própria incapacidade de subjetivação, de construção desse outro escondido, recalcado. O hipocondríaco encontra-se numa etapa pré-simbólica, em que se demandaria a possibilidade de construir uma capacidade de articulação discursiva que contivesse o corpo e seus vínculos, de construir um remendo nesta brecha aberta na constituição do psiquismo.
Os analisandos psicossomáticos sonham pouco, e seus sonhos são “realistas”, eles repetem o que fizeram durante o dia, o que se passa na realidade. Há muito pouca elaboração psíquica e não têm grande coisa para contar, falam do seu tratamento, dão as novidades e são silenciosos. Se acontece um lapso, não é seguido de associações. Não ao afeto, representações e não à via imaginária. Se lhe sobrevém um acidente da existência, uma perda qualquer, luto, licença, reage com uma doença somática, mais ou menos grave.
 

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