Nova regulamentação sobre as operações em espécie

OPINIÃO - Luiz Paulo Jorge Gomes

Data 02/12/2017
Horário 13:13

Criada com o objetivo de combater a lavagem de dinheiro, a Instrução Normativa 1761, publicada no DOU (Diário Oficial da União) no dia 21 de novembro, institui a obrigação do contribuinte de prestar informações relativas a todas as operações pagas em espécie, decorrentes de alienação de bens e direitos em valores superiores a R$ 30 mil. Tanto no que se refere ao fato do pagamento ter sido realizado por pessoas físicas, como também para pessoas jurídicas.

Para tanto, todas as declarações terão que ser feitas através de formulário eletrônico, através do e-CAC (Certificado Digital do Contribuinte), perante a RFB (Receita Federal do Brasil). Com isso, a RFB pretende não só restringir o número de operações em espécie no Brasil, mas principalmente ter um maior controle de todo esse volume financeiro, na maior parte das vezes informal, que circula na economia nacional.

Assim, a administração pública dá mais um passo em direção à tendência atual do procedimento de fiscalização, que desde há muito deixou de bater às portas do contribuinte. Agora, de forma muito mais eficaz e com ajuda sistêmica, se realiza uma vasta hipótese de cruzamento de informações, nessa grande malha que se tornou o banco de dados dos órgãos fiscalizatórios.

Entretanto, em que pese o relevante motivo que ensejou a criação da respectiva Instrução Normativa, principalmente em um momento de grande combate à corrução no nosso país, acreditamos que a instituição da obrigação em questão por meio desse instrumento legislativo ultrapassa a competência que o mesmo dispõe.

Ora, não é demais ressaltar que, sendo a Instrução Normativa instrumento legislativo próprio da Receita Federal, o seu poder de atuação é totalmente delimitado, não podendo ele ser eivado de outras particularidades que não aquele próprio de esclarecer e regulamentar uma lei, sob pena de extrapolar a finalidade a que se destina. O que temos aqui é uma verdadeira regulamentação de determinado assunto, com a criação de obrigações e determinação de multas no caso do seu descumprimento, sem que se tenha uma lei, devidamente analisada e aprovada pelo Congresso Nacional (legítimo representante do povo, pelo menos a nível conceitual), dando sustentação para a referida medida.

Em um Estado de Direito, entre cujos postulados básicos encontra-se o princípio da legalidade, os atos devem ser plenamente delimitados pela lei, de forma a impedir os abusos e arbitrariedades a que as autoridades podem ser levadas, assim como impedem com que as mesmas desempenhem as suas funções segundo suas próprias vontades. Significa dizer que os poderes que o administrador público exerce são regrados pelo sistema jurídico vigente, não podendo a autoridade ultrapassar os limites que a lei traça para sua atividade, sob pena de ilegalidade.

Assim, conclui-se que o poder da administração é vinculado, na exata razão de que a lei a ela não deu discricionariedade no desempenho de suas funções, determinando que a sua conduta, deve se dar de tal ou qual forma. A lei, em sentido geral e abstrato, estabelece os requisitos e condições para que seja realizado determinado procedimento, determinando, por completo, a liberdade do agente público, ficando a sua atuação adstrita aos referidos pressupostos e, na hipótese de se demonstrar desobedecido quaisquer desses requisitos, compromete-se, por completo, a eficácia do ato praticado, tornando-o passível de anulação pela própria administração ou, ainda, pelo Pode Judiciário.

O que temos aqui, através da IN 1761, é a regulamentação de um assunto de sublime importância para o desenvolvimento do nosso país, para o combate a corrupção, porém sem o sustentáculo de uma lei. Assim, embora nobre a sua finalidade, acredito que plenamente comprometido em sua origem. Por essa razão, adstrito a uma análise meramente jurídica da presente questão, em virtude do vício apresentado, referida medida se demonstra bastante frágil quando posta sob o olhar do Poder Judiciário, o que certamente provocará inúmeros questionamentos nesse sentido.

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