O estrangeiro

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 06/02/2022
Horário 09:38

Sempre tive alguma facilidade de circular pelos lugares por onde andei mundo afora. Nunca foi difícil reconhecer aquelas palavras em inglês que escutamos frequentemente no rádio a caminho da escola. Encontrar marcas mundiais inscritas em rótulos de supermercado. Sentir aromas e apreciar pratos típicos comuns em nossas refeições dominicais em família. Não me lembro de nenhuma outra situação que me senti realmente estrangeiro como na viagem que fiz à Polônia. 
    Estava em um vagão de trem a caminho de Cracóvia, a joia da coroa da Polônia monárquica, principal cidade de coroação de reis e que presenteou o mundo com o seu arcebispo mais famoso, Karol Józef Wojtyla (o papa João Paulo II). Mas tudo era estranho. Lá fora uma nevasca que obrigava a locomotiva diminuir a velocidade nos trechos mais inclinados e um frio de 22 graus negativos. Paisagem branca a se perder de vista pela janela da cabine.  Uma atmosfera de extrema melancolia para quem não está acostumado com invernos rigorosos. 
    Estávamos a poucos anos do desmantelamento do bloco soviético e a Polônia ainda era muito próxima da Rússia. Praticamente ninguém se comunicava em inglês ou qualquer outra língua que não fosse polonês ou russo. Eu só podia me fazer entender por mímica ou por imitação de quem estava ao meu redor.  
    Lá pelas tantas o fiscal ferroviário se aproximava a passos lentos. Ele parecia um soldado russo daqueles de filmes da Segunda Guerra Mundial, com seu uniforme envolto numa grande capa preta e balbuciando palavras indecifráveis. Restava-me copiar os gestos dos outros. Imaginei que o fiscal queria que eu mostrasse o passaporte e o bilhete de viagem, o que fiz de pronto sem qualquer questionamento.
    Eu pensei nessa situação constrangedora quando assisti o pronunciamento do presidente da Rússia no decorrer da semana que passou. Segundo ele, o Ocidente não consegue compreender o que significa Kiev para os russos. Não vou discutir aqui as questões geopolíticas e quais são os reais interesses entre os beligerantes, mas Kiev é a cidade europeia dentre as mais antigas com referências culturais para a civilização eslava oriental. Em sua belas igrejas ortodoxas podemos ter alguma ideia da exuberância do Império Bizantino! 
    Infelizmente uma guerra ronda a Ucrânia e não temos a menor condição de compreender o que isso significa a julgar pelas fontes tendenciosas das quais se alimentam a grande mídia nacional. Não precisa dizer que a viagem de nosso presidente à Rússia é inoportuna e potencialmente prejudicial ao Brasil. Como é difícil ser o estrangeiro! 

 

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