Para quem vai o patrimônio de uma pessoa no caso de falecimento?

Bruna Melo

COLUNA - Bruna Melo

Data 15/01/2021
Horário 06:00

Uma dúvida muito comum no meio jurídico é para quem vai o patrimônio no caso de falecimento, e o presente artigo visa esclarecer esta situação. Conhecer e entender os procedimentos envolvidos na morte de uma pessoa é um aprendizado que para a maioria acontece na pior hora possível. É preciso saber que a morte provoca a cessação de alguns direitos e o início de outros.
Inicialmente cabe explicar que a regra primária a ser observada é se o falecido deixou testamento, pois o mesmo, se existente e válido, é que irá regular a sucessão (artigo 1.788 do CC/02). No Brasil, infelizmente, as pessoas não têm o costume de fazer disposições testamentárias, pois a morte ainda é um assunto que gera desconforto e tratado como estigma. Na ausência de testamento, há a análise dos herdeiros legais, ou seja, aqueles que a lei presume que o falecido iria contemplar com base no vínculo de afinidade e afeto.
Desta maneira, o Código Civil regula em seu artigo 1829 a ordem de sucessão legal aplicável. O Código de 2002 trouxe uma inovação em relação ao de 1916, a concorrência do cônjuge na herança, ao passo que antes o cônjuge possuía apenas o usufruto vidual. Outra importante mudança decorreu de entendimento jurisprudencial, com o julgamento de inconstitucionalidade do artigo 1790 do CC/02, que previa regras específicas para o convivente na união estável (STF - REx 878.694/MG – 2017). A partir de então o cônjuge e companheiro são equiparados seguindo as mesmas regras sucessórias (art. 1829).
Na primeira hipótese da lei tem se: “aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares”. O inciso acima nada mais estabelece que na concorrência do cônjuge/companheiro com os descendentes (filhos, netos), deve se separar a meação (bens comuns), da herança (bens particulares), em que o Código estabeleceu o direito de herdar onde não há meação, pois nela já estaria protegido o cônjuge/companheiro. Por isso é importante analisar o regime de bens para saber se o cônjuge será herdeiro ou meeiro. Pelo inciso primeiro em nenhuma hipótese o casado pela separação legal de bens herdaria.
Um exemplo prático: se a viúva era casada pelo regime da comunhão universal de bens, ela será tida apenas como meeira, pois terá direito à metade do patrimônio, ao passo que os filhos irão dividir em igualdade a outra metade (herança). Diferente é a situação em que a viúva era casada pelo regime da comunhão parcial de bens, em que se deve analisar o título aquisitivo do imóvel, sendo somente do falecido (particular) ela herdará junto com os filhos, caso o bem seja comum (adquirido onerosamente após casamento ou união estável) ela terá apenas a meação.
Na ausência de descendentes (filhos, netos, bisnetos), passa-se à análise do inciso II: aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge. Nessa hipótese, independe do regime de bens que o cônjuge/companheiro se casaram, pois o Código Civil não fez diferenciação, e pela hermenêutica jurídica, não cabe ao intérprete fazer a distinção onde o legislador não o fez. Assim caso o regime fosse da comunhão universal, o cônjuge/companheiro teria direito à meação e à concorrência com os pais do falecido na herança. Nesse inciso também o casado pela separação legal de bens herdaria também com os pais, pois independe do regime de bens.
No inciso terceiro, o cônjuge/companheiro herdaria a herança sozinho, diante da inexistência de filhos e pais do falecido. O último inciso da lei traz a herança pelos colaterais, no caso de inexistência de descendentes (filhos, netos, bisnetos), ascendentes (pais, avós, bisavós) e cônjuge. Os colaterais são os parentes que possuem origem comum, como irmãos, tios, sobrinhos, primos. Os graus mais próximos afastam os mais remotos. Desta maneira, primeiro iria para os irmãos, depois para os sobrinhos, depois para os tios e por último para os primos, sobrinhos-netos e tios-avôs (somente até o 4º). No caso de não existir parentes colaterais, a herança será declarada vacante e recolhida ao município (artigo 1819 a 1823).
Existem algumas regras especiais, como o direito de representação, em herdeiros da mesma classe e de graus distintos recebem a herança simultaneamente. Na linha reta descendente, se por exemplo, um dos filhos do autor da herança é pré-morto, seus descendentes poderão representá-lo na sucessão, recebendo a cota que àquele caberia. Não existe direito de representação na sucessão testamentária e na linha ascendente (pais, avós).
Uma curiosidade é a preferência dos sobrinhos em relação aos tios, pois estão no mesmo grau (terceiro) e em tese deveriam repartir a herança. Porém, o Código Civil fez uma disposição no artigo 1.843, estabelecendo que os sobrinhos têm preferência em relação aos tios. Outra situação ocorre quando o falecido tenha deixado apenas dívidas, nesta hipótese, os herdeiros não precisam honrá-las, conforme disposto no artigo 1.792 do CC/02, e para comprovar referida situação é possível a lavratura de inventário negativo.
Existem inúmeras regras específicas para o direito sucessório, mas o presente artigo trouxe um panorama geral. No caso de falecimento, com existência de patrimônio, é necessária a realização de inventário, que inclusive pode ser realizado em cartório, em que serão respeitadas as regras estipuladas no direito sucessório e testamento do falecido.
 

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