Vivia a cidade a sua meninice. A criatividade do momento adequava-se ao desenvolvimento das precisões imediatas. Época dos pioneiros, que aqui assentaram seus alicerces. A zona rural concentrava a riqueza da fartura e era superpovoada de agricultores, cada um com seu estilo de cultivar a propriedade.
Um Brasil rural ensaiando voos para o início da industrialização. A região inteira inseria-se no contexto rudimentar, com o avanço paulatino das novidades mecânicas. Olhando a década de vinte, diriam seus habitantes, hoje, desse passado não tão distante: “que são tempos idos, tempos de outrora, que não voltam mais, tempo do onça e da onça, os primeiros tempos da cidade. Tempos de fábulas, crendices e invencionices”.
“Bons tempos aqueles, mas cheios de dificuldade”, segundo os pioneiros. Foram, sim, de luta e sacrifício, de locomoção difícil, a não ser pelos trens da Sorocabana. Bons tempos que merecem ser revolvidos pelos fatos que dormem sob os véus diáfanos da saudade.
Pensando nas coisas acontecidas na década de vinte, época brasileiramente campesina, nessas paragens, ainda, eis que surgia, das páginas de “Macunaíma”, de Mário de Andrade, 1928, um capítulo sugestivo: “Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil”. Realmente, a terra descoberta por Cabral estava minada de olheiros de formigas-cabeçudas. Na Alta Sorocabana, inclusive.
Disse-o, contudo, o autor de “Paulicéia Desvairada”, em sentido figurado e concreto.
Falou dos maus políticos, que vêm tosando o erário público brasileiro. Verdade seja dita, formiga-cortadeira é que não falta nesse país. Aqui, em Prudente, houve a Lei nº 7, de 30 de julho de 1926, que autorizava o prefeito a multar em 20$000 (vinte mil réis), mais despesas na execução de extinção de formigas, não feitas pelos proprietários de imóveis na zona urbana.
E formiga cortadeira - carregadeira, a danada da saúva, por aqui, era praga. A praga mais importante das pragas do Brasil. Cortava à noite toda e todo tipo de folhagem. Formavam correição e derrubavam folhas e mais folhas. Ninguém podia com a vida delas.
Nem mesmo o formicida, marca “Tatu”. Tal qual os políticos-saúva, que, além dos vencimentos extraídos dos minguados cofres públicos, cortam a folhinha verde de esperança do povo. Para isso, foi preciso regulamentar-se a Lei. Veio o Decreto nº 9, de 1926, para regular a extinção de formigueiros.
Crescendo a cidade, chegava o progresso. Veículos a motor iam aparecendo nas ruas.
Eis a razão da Lei nº 37, para proibir o trânsito de cavaleiro, boiadas e veículos de tração animal nas estradas de automóveis, com multa de 50$000. No mesmo ano de 1926, a Lei nº 21 disciplinava o horário de fechamento do comércio, nos dias úteis, às 20 horas; e, aos domingos e feriados, às 12 horas. Era a época do trabalho. Trabalhava-se segundo o ditado português: “Quem não trabuca, não manduca” (quem não trabalha, não come).
Em 1930, a Lei nº 9 determinava a proibição de vendas de gêneros alimentícios, vendidos por litro, que passavam a ser vendidos por quilos. Era praxe vender o açúcar, o feijão, o arroz e outros produtos a granel em vasilhames de litros. Não se pesava. Foi com essa medida que a balança entrou em ação, principalmente, a marca “Filizzola” modernizando usos e hábitos coloniais.
Da mesma forma, para se divertir, era preciso pagar. Em 1929, pela Lei nº 01, de 6 de fevereiro, ficava o prefeito autorizado a cobrar a taxa de 10$000 de veículos que participassem do carnaval. Era o corso. Todas essas leis foram sancionadas pelo prefeito engenheiro Antônio Uchoa Filho. Queria o Dr. Uchoa que Presidente Prudente se destacasse das nascentes cidades vizinhas. Sabia que, mexendo com o bolso do munícipe, este respeitava as posturas municipais.
Só que Prudente, por si só, se ia fazendo capital. Forasteiros chegavam de todos os recantos desse mundão de Deus, para as terras de Goulart e de Marcondes. Eram lavradores, comerciantes e trabalhadores com ou sem qualificação de mão-de-obra. Também as prostitutas. E para elas foi necessário editar-se a Lei nº 4, criando uma rua própria para a prática do meretrício, em zona própria, afastada do centro da cidade. Surgiu a rua Aimorés, acima da rodoviária velha e abaixo da atual. Lugar ermo e isolado, onde, por muitos anos, comandou a famosa casa da Nina, que, com seu mulherio escolhido a dedo, deixava o usufrutuário de bolsos vazios, quando, não muito, apenas de ceroulas.