Pseudo-concreticidade 

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 21/05/0201
Horário 07:26

Semanalmente vou até São Paulo para trabalhar. A cidade não para! Em pleno centro nervoso da capital paulista, caminhamos como que guiados por telepatia. Milhares de transeuntes norteiam-se pela passarela em ritmo desconjuntado de corações. Desenham na linha do asfalto, por onde veículos trafegam velozmente, os anseios dos segundos no ar. 
Certo dia, observo de uma estreita esquina, caminhando em direção à praça, um maltrapilho que marchava ao som desritmado de unhas mal aparadas que arranhavam o chão. Estava visivelmente cansado. Algumas moscas irritavam suas orelhas, seu nariz e locais considerados impróprios. Este senhor procurou um canto que lhe fosse peculiar. Era ao fundo de um banco, por detrás de alguns jornais que o aqueciam e tapavam a luz. Tão logo se acomodou, sem estes tipos de cerimônia como bocejar e espreguiçar, adormeceu cercado do caos urbano. Ele parecia, deitado atrás do banco, um saco de ossos abandonado ao léu, como um pequenino grão de areia que fazia parte de uma rima que esvaiu-se com o vento. Nuvens enfurecidas levantavam papéis e sacudiam as copas das árvores. 
Por frações de segundo, fecho os olhos e penso que não é possível que tal cena grotesca seja natural. Lembro que a essência é um produto do modo pela qual os seres humanos produzem a sua própria existência. Quando os seres humanos consideram as manifestações de sua própria existência como algo desligado dela, ou seja, como algo independente do processo que os produziu, eles estão vivendo no mundo da “pseudo-concreticidade”. Eles tomam como essência aquilo que é apenas fenômeno, aquilo que é apenas manifestação da essência. A essência do problema é a necessidade de pensar, ser crítico ao que é dado como indissolúveis (as palavras que povoam o meu pensamento, aquele sujeito deitado na praça e a cidade concreta). Não posso aceitar que o concreto é tudo aquilo que está exposto ali, que é dado pela minha experiência sensível na paulicéia desvairada. Quero acreditar que o concreto é estabelecido pela realização humana na sociedade e na história. 
Subitamente desperto daquele estado de consciência por um motociclista que buzina freneticamente para que eu apresse o passo e alcance o outro lado da rua. Retorno ao ritmo acelerado da metrópole, que nos impede de medir de forma precisa a posição e a ordem das coisas ao nosso redor. É preciso trabalhar!


 

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