No lado escuro da cidade tinha uma ponte. Dessas de madeira, imperfeitamente colocadas lado a lado, com pregos sobressaltados, que invariavelmente faziam enganchar as sandálias falsificadas de tiras, comidas nas pontas e com tintas gastas. Nessa ponte, o mundo passava incauto, mas também desmoralizado porque sabia no fundo, que a nenhum lugar ela levaria.
Foi nessa ponte, nessa mesma ponte, que o caminho se abriu para uma mulher de 32 anos, vítima de uma doença comum: a resignação de uma vida medíocre diante dos apelos de consumo. Lidia nada mais era do que uma batedora de cartão. Trabalhava dia após dia de modo insano, precarizado e desvalido em uma loja de cosméticos no centro da cidade.
Chegava cedo, abria as portas e varria a sujeira inoportuna e insistente. “Por quê?”, dizia. “Daqui a pouco um monte de pés sujos vão (sic) trazer poeira, desgraças, conformismo e desejos aqui para dentro”. Olhava para o creme de mãos de uma fábrica chinesa, perfeitamente embalada em um papel colante de frutas. Dava vontade comer. Pegou um para ela e pediu para descontar do salário. Era o que podia.
Quem sabe no mês que vem, poderia arrematar um creme da Boticário, de verdade, com embalagem clarinha, letras bem distribuídas e que a faria viajar por um mundo bem desconhecido. O dia em que isso acontecesse, seria o dia do alinhamento dos astros. O seu planeta ficaria alinhado com o mundo imortal de quem nem pensa para passar um cartão na máquina. Ficaria feliz e conformada. Viveria momentos de princesa como nas redes sociais e nestas toadas, quem sabe, até permitiria ser descoberta por algum moço bom, que ganhasse mais do que um salário.
Quem sabe um dia, Lídia. Quem sabe um dia...