Tragédias como Brumadinho demonstram quão fugaz é a preocupação com o próximo

EDITORIAL -

Data 08/02/2019
Horário 04:05

Brumadinho. Um nome até então desconhecido da maior parte da população do Estado de São Paulo, mas que agora paira permanentemente sobre os pensamentos (e as conversas) dos paulistas. Apesar da distância física a vontade de se fazer próximo é cada vez maior, seja por meio do acompanhamento das notícias pelo noticiário, através de doações ou mesmo de orações em prol da região de Minas Gerais que sofre as perdas de um trágico e inesquecível crime ambiental. Motivados por este desejo, ontem, quatro militares do 14º Grupamento de Bombeiros partiram da sede do batalhão, em Presidente Prudente, rumo ao território mineiro para prestar voluntariamente auxílio na busca das vítimas do rompimento da barragem em Brumadinho.

Uma cena comovente marcou a reportagem deste diário, que esteve acompanhando a partida dos bombeiros. Uma criança pequenininha, que não chegava a ter dois anos, em meio aos homens fardados e suas famílias. Era o filho de um dos voluntários que chamava pelo “papai” com a inocência que só um pequenino poderia ter em meio a uma viagem envolta em tanta preocupação (pelos que atuam diretamente em contato os rejeitos residuais tóxicos) e tristeza (pelos que jamais serão encontrados com vida). Muito tem se falado sobre aspectos preocupantes no que diz respeito à relação entre iniciativa privada, governo e meio-ambiente após a tragédia de Brumadinho, sobre a importância de preservar recursos naturais, de investir em órgãos fiscalizadores (na contramão do sucateamento que ocorre hoje) e da cautela necessária com os políticos que têm entre suas pautas prioritárias a flexibilização das leis ambientas, a entrega do território indígena aos ruralistas, dentre outras distorções absurdas.

No entanto, existe um ponto importante a ser tocado que ainda não foi tão enfatizado pelas análises, artigos e editorias Brasil afora: a inconsistência dessa “consciência do coletivo” que tragédias como Mariana e Brumadinho traz.  Em uma sociedade cada vez mais individualista e imediatista é importante tornar estável essa conexão com o “outro”, que hoje é tão frágil. A compaixão, a solidariedade e a ajuda geralmente só duram por alguns dias, até que o assunto caia no esquecimento ou se torne “batido”. Enquanto pessoas pagam o preço pelo resto de sua vida (como os moradores de Mariana que até hoje seguem desamparados e sem ressarcimento de suas perdas ou punição dos responsáveis) outros vivem suas vidas normalmente sem nem se comover ou mobilizar pelos companheiros. Não fosse por Brumadinho, a história do maior desastre ambiental do país ficaria soterrada junto com casas, sonhos, e moradores de Mariana.

A imagem de mais cedo marcou porque ela reverbera essa triste realidade. Enquanto pouquíssimas pessoas (como nossos bravos e admiráveis bombeiros) se doam de corpo (literalmente) e alma em prol das vítima, a maioria da população se assemelha à pequena criança, perdida em seu desconhecimento, no meio daquela movimentação. A diferença entre a sociedade e aquele menininho é apenas uma: só um deles é inocente de verdade.

Publicidade

Veja também