Vivemos em um mundo em que a intolerância com os diferentes acentuou-se extremamente, processo que está minando de modo irreversível o plano da cultura, da sensibilidade e dos valores humanos. Acredito que a minha relação com a música seja a forma que encontrei para sobreviver nesses tempos turbulentos. Explico.
Tenho um gosto musical diversificado. O jazz, por exemplo, eu amo. Especialmente, me encanta os acordes jazzísticos e as grandes bandas que, aos poucos, foram chegando à execução de solos improvisados. Que incrível as trilhas sonoras do trompetista Miles Davis e do saxofonista John Coltrane. Feche os olhos e sinta. Não é possível se encontrar ali com os outros?
Outros estilos musicais me ajudam a olhar e sentir o mundo na sua diversidade e isso eu devo aos discos de vinil das minhas irmãs mais velhas. Como era bom ouvir os discos riscados do rock de Bill Halley, empunhando e tocando o maior símbolo do rock-and-roll: a guitarra elétrica! E que tal aqueles quatro filhos de operários e nascidos em Birmingham - John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Star. Viva os Beatles! Outras bandas e personagens do mundo do rock também marcaram a minha juventude, como a cantora Janis Joplin e o guitarrista Jimmi Hendrix. “Faça amor, não faça a guerra”, uma das máximas do movimento hippie, que se transformou numa palavra de ordem para a geração da Tide. Isso não quer dizer que a expressão musical brasileira não teve lugar nesse repertório. João Gilberto, Antônio Carlos Jobim, Vinicius de Moraes, Baden Powell, Chico Buarque foram alguns dos destaques. Mas, decididamente, eu sou uma geração influenciada pelo Tropicalismo. Me agrada muito bem os ouvidos esse movimento de mistura de diferentes matrizes musicais: Bossa Nova, rock, mas também o samba.
Recentemente, para compreender melhor meus alunos, tenho aberto meus ouvidos para outros estilos musicais, como é o caso do rap, um tipo de música que se desenvolveu a partir de poemas falados de improviso, com base em trechos de antigas músicas negras e de protesto, como expressa as letras dos Racionais MC’s. Não pense que eu também não tenha contato com a moda de viola. Tonico & Tinoco, Pena Branca & Xavantinho, Alvarenga & Ranchinho, Helena Meireles. Porta-vozes desta forma de construção musical identificada com os segredos do mato, os sotaques de folia e com a revoada dos pássaros dos antigos pantanais. Como o universo musical é diverso! Aguçar meu ouvido musical me enche de esperança. Eu vejo um retrato dos muitos brasis dentro do Brasil!