Você toparia fazer um contrato de namoro?

Bruna Melo

COLUNA - Bruna Melo

Data 18/12/2020
Horário 05:31

A pandemia abalou as estruturas das famílias brasileiras, como constatamos no aumento do número de divórcios e aumento de formalização de uniões estáveis. O isolamento social fez com que muitos relacionamentos ganhassem novos contornos, mas muitas pessoas não querem constituir família e a pergunta é: existe algum meio jurídico para resguardar isso?
Inicialmente cabe conceituar o que vem a ser o contrato de namoro, sendo um contrato atípico em que duas pessoas ajustam que não possuem o objetivo de constituir uma família, assim não querendo assumir os deveres decorrentes da união estável como a aplicação do regime de bens da comunhão parcial (caso não haja contrato escrito para regular a questão patrimonial).
Qual a diferença entre o namoro e união estável? Basicamente é a inexistência da caracterização de uma família, que somente existe na união estável. Existem namoros longos que nunca se transformaram em entidade familiar e relacionamentos curtos que logo se caracterizam como união estável. 
Sobre a temática, há ainda a figura do “namoro qualificado” que se aproxima ainda mais com a união estável, e que ficou bastante conhecido em um julgado do STJ, onde o ministro Bellize diferenciou que não existe união estável, “mas sim contrato de namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento, projetaram, para o futuro, e não para o presente, o propósito de constituir entidade familiar".
E qual a finalidade de se fazer um contrato de namoro? O namoro, por si só, não tem consequências jurídicas patrimoniais. Não acarreta, por exemplo, no dever de partilhar bens ou qualquer aplicação de regime de bens, fixação de alimentos ou repercussão no direito sucessório. 
Se um casal de namorados adquire juntos uma moto ou um carro, com o fim do relacionamento este bem deverá ser dividido de acordo com as regras do direito obrigacional (quem arcou com as despesas), diferentemente da união estável que tem por base as regras previstas para o direito de família (comunicação dos bens onerosamente adquiridos na constância independente de esforço comum no caso do regime da comunhão parcial).
Na doutrina e na jurisprudência nacional, há uma polêmica quanto à eficácia da figura do contrato de namoro. Isto se deve ao fato de que a linha que distingue o namoro e a união estável é tênue. Como por exemplo, o fato de viver sob o mesmo teto não é requisito da união estável, assim como possuir filhos e o tempo de relacionamento. A união estável se configura por uma situação de fato, que caso seja comprovada a convivência pública, contínua e duradoura com o objetivo de constituição de família, descaracterizaria o contrato de namoro.
Atualmente é muito comum “dividir apartamento” por questão de economia e não pelo fato de se desejar constituir uma família, como já decidiu o STJ: "Este comportamento, é certo, revela-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social. (STJ, REsp 1454643 / RJ, Rel Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, pub. 10/03/2015)".
Na minha opinião, é válida a lavratura de escritura de contrato de namoro, pois a organização é a chave para que não ocorra futuras disputas judiciais. O Código Civil brasileiro prevê em seu artigo 425: “É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”. O contrato de namoro é um contrato condicional que terá sua eficácia subordinada à manutenção dos seus elementos substanciais, caso estes sejam alterados, como a intenção de constituir família, poderá perder sua eficácia, porém é possível colocar de maneira expressa uma cláusula no sentido de se optar pela incomunicabilidade dos bens na hipótese de se configurar uma união estável no futuro, evitando possível “dor de cabeça”.
O contrato de namoro poderá ser instrumentalizado por meio de escritura pública declaratória (valor em Presidente Prudente de R$ 449,70) refletindo a real vontade das partes. Nesse sentido, as partes podem declarar que não possuem a intenção de constituir família no momento, mas caso venham a configurar futura união estável, que seja aplicado o regime da separação convencional de bens, como mencionado acima.
Embora o contrato de namoro possa parecer em um primeiro momento como antinamoro, é tido como uma opção jurídica que poderá trazer tranquilidade para o relacionamento, pois os casais que procuram o cartório para fazer a escritura já passaram por aborrecimentos pretéritos e desejam se resguardar em seu atual envolvimento amoroso.
 

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