Esporte

Campo dá oportunidade e esperança para jovens e crianças de Paraisópolis

  • 27/12/2019 00:50
  • JOÃO GABRIEL
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Numa tarde ensolarada de férias escolares é possível encontrar dezenas de crianças, uma porção de bolas e até algumas pipas caídas dividindo o mesmo espaço de 83 m por 63 m: o campo da Arena Palmeirinha, em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. Foi num dia como esse que a reportagem visitou o quadrilátero de grama sintética verde, único espaço desse tipo para prática esportiva aberto a uma comunidade com mais de 100 mil moradores. O cenário contrasta com seu entorno, os bairros nobres da região do Morumbi, onde condomínios de luxo e escolas privadas exibem campos de grama natural e ginásios poliesportivos particulares. Administrado pelo Palmeirinha, o mais tradicional time de várzea de Paraisópolis, o campo da comunidade se tornou um ponto de encontro da região. Tem agenda cheia, dividida entre aluguel para partidas, horários abertos à população e o uso por programas sociais. Para Bianca Silva, 21, jogadora da seleção feminina de rúgbi de sete que nasceu na região, o local é o coração da comunidade. "Foi através daquele espaço que tive oportunidade de conhecer e praticar o esporte que me levou muito além do que eu imaginava", diz a atleta, hoje uma das principais revelações do rúgbi brasileiro, classificado para os Jogos de Tóquio em 2020. Ela teve seus primeiros contatos com a modalidade pelo programa Rugby Para Todos, um dos três projetos sociais que utilizam o gramado. "Diversas crianças não sonham com algo maior por não ter oportunidade de conhecer um esporte ou algo que os ajude. Os programas esportivos que a comunidade tem desenvolvido como incentivo têm um valor imenso na vida de cada criança e das famílias daqui, que veem o filho que por vezes foi olhado como marginal, crescer através do esporte e conhecer o mundo. É algo surreal", completa. Espaços de lazer, assim como melhores condições de infraestrutura, estão entre as principais reivindicações da comunidade, que viu, no início de dezembro, nove jovens morrerem após ação da Polícia Militar durante baile funk. O principal responsável pela existência do campo do Palmeirinha é Francisco Luiz da Silva, 60, o Chiquinho. Presidente do time, ele trabalhou na construção do espaço, em 1982, então de terra batida. Conta que a comunidade já teve quatro campos entre as décadas de 1980 e 1990, mas que a maioria desapareceu. "Os outros viraram casas. Um virou igreja. E acho que o outro virou uma Etec (Escola Técnica Estadual)." O Palmeirinha tem equipes que vão do sub-10 até o master (acima dos 50 anos). Mais de 120 crianças participam da escolinha de futebol, gerida pela família e amigos de Chiquinho. Neste ano, a equipe feminina, comandada por sua filha, Mônica Melo, ficou com o vice-campeonato na Taça das Favelas, cuja final foi disputada no estádio do Pacaembu, com transmissão da TV Globo. Além de receber jogos de futebol, o campo é fundamental para a existência de programas sociais que buscam a inclusão por meio do esporte. O que o torna não só um espaço de lazer, mas também de transformação social. "O mais legal é poder ver os lixeiros que passam e encostam ali, ficam assistindo para descansar. Famílias passam e perguntam com que idade as crianças podem começar. A comunidade toda fica sabendo da nossa ação", conta Maurício Draghi, idealizador do Rugby Para Todos. Segundo ele, já no primeiro dia do programa, em 2004, mais de 100 crianças compareceram à aula inaugural. Com mais de 200 alunos de até 18 anos, ele leva as equipes de Paraisópolis para disputar amistosos contra clubes privados. Por vezes, seus jogadores chamam a atenção de treinadores rivais e são contratados, chegando até a ganhar espaço nas seleções de base. Maurício conheceu Chiquinho quando era aluno do colégio Miguel de Cervantes, escola de elite que fica a cerca de três quilômetros de Paraisópolis e onde ele trabalhava. O mesmo aconteceu com Ana Rosa, uma das coordenadoras do instituto P+A, que usa o campo do Palmeirinha para realizar o projeto Um Passe para a Educação. "A importância [da iniciativa] é basicamente não deixar o menino ir para o tráfico, ou para o crime, ou deixar ocioso na rua. A maioria das famílias trabalha o dia inteiro e as crianças e os adolescentes ficam o dia todo sozinhos", diz. O projeto dá aulas de futebol para crianças de até 17 anos. Ela entende que o campo, e o time do Palmeirinha por disponibilizar seu uso para projetos sociais, suprem em parte a lacuna no fomento ao esporte e ao lazer na região. "Tem um sentimento de pertencimento na região. E futebol é aquela coisa, a paixão. O pessoal se apega ao time, tem uma identidade envolvida. O futebol feminino teve bastante destaque [na Taça das Favelas]", afirma. Cada programa tem um acordo de permuta com o Palmeirinha pelo uso do campo de acordo com as possibilidades de compensação. Sua manutenção é custeada com a ajuda do comércio local. Como a farmácia, que cede medicamentos, e a autoescola, que estampa a principal placa de publicidade dos alambrados. Além disso, nas noites de semana e durante todo o final de semana o local é alugado para jogos da várzea e campeonatos de futebol. Anualmente, o campo recebe a Copa da Paz, que reúne equipes de várzea de todas as regiões de São Paulo. Algo que, segundo Chiquinho, já foi inviável por causa da violência. Há 46 anos integrante ativo do Palmeirinha, ele diz que a história do time é também a história de Paraisópolis. "Antes estava empregado e ganhava bem. Agora [sem emprego] quero ver até quando Deus vai me deixar com essa missão. Você pensa, 'esqueci de mim? O que eu estou fazendo?' Mas é gostoso ajudar as pessoas, me sinto bem para caramba", afirma.