Exterior

Defensoria da União quer proteger turcos no Brasil contra extradição

  • 22/05/2019 15:31
  • FLÁVIA MANTOVANI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Defensoria Pública da União pediu ao Supremo Tribunal Federal para atuar no caso do turco naturalizado brasileiro Ali Sipahi, que enfrenta um pedido de extradição por parte do governo de seu país sob a acusação de terrorismo. Sipahi, um comerciante que vive em São Paulo há 12 anos, ficou preso preventivamente por mais de um mês, e no dia 7 de maio ganhou o direito de aguardar o julgamento em liberdade. A Procuradoria de Ancara afirma que ele cometeu crime por organizar atividades de intercâmbio comercial e cultural entre brasileiros e turcos junto com organizações simpatizantes do Hizmet -movimento que o governo turco considera terrorista, embora não haja registros de atos terroristas cometidos por ele. A acusação contra Sipahi é considerada por seus advogados parte de uma perseguição mundial do presidente Tayyip Recep Erdogan contra opositores e alarmou outros imigrantes turcos no Brasil, que temem ser alvo do mesmo tipo de processo. O documento da DPU vai na mesma linha, afirmando que casos como esse configuram perseguição e que a extradição por crimes políticos ou de opinião é vedada pela Constituição brasileira. O pedido -encaminhado ao relator do processo, o ministro Edson Fachin- pretende ir além do caso de Sipahi, criando um precedente judicial para outros possíveis processos de extradição por motivo semelhante contra turcos simpatizantes do Hizmet no Brasil. "É um modelo de participação em que a DPU não é parte do processo, mas entra para contribuir com dados, informações e documentos, tentando mostrar qual é a melhor decisão no caso dele e em outros casos semelhantes", diz o defensor público Bruno Arruda, autor da petição.  "Não é uma defesa dele, mas uma tentativa de proteger o resto da comunidade turca no Brasil, que é um grupo em situação vulnerável, considerando o risco de seus membros terem contra si pedido de prisão e extradição fundado só na ligação com o Hizmet", acrescenta.  O documento traz informações sobre a situação política da Turquia e a percepção do país pela comunidade internacional. Chama a atenção, por exemplo, para uma "desproporcionalidade": enquanto a Turquia concede extradição em 20% dos pedidos formalizados pelos estados europeus, países da União Europeia concedem só 3% das extradições formuladas pelo governo turco. "Isso mostra que tem alguma coisa errada com esses pedidos da Turquia. A União Europeia tem recusado praticamente todos", diz Arruda. Segundo o texto, houve um "aumento exponencial" no número de pedidos de refúgio solicitados por turcos na União Europeia -foram mais de 16 mil em 2018. A DPU afirma ainda que presta assistência rotineiramente a migrantes que vêm de "contextos de exceção" em que governos pedem extradição de cidadãos com base em "acusações genéricas de terrorismo para travestir de legalidade" uma perseguição política. Não há data estabelecida para o julgamento de Sipahi nem para que o STF se pronuncie sobre a petição da DPU. O Hizmet foi criado pelo clérigo muçulmano Fethullah Gülen, que hoje vive exilado nos EUA, e está presente em mais de 160 países, principalmente por meio de projetos de educação e assistência social. Gülen já foi aliado de Erdogan, até que passou a ser visto como uma ameaça e foi acusado pelo presidente de planejar uma tentativa frustrada de golpe contra ele em 2016. Desde então, Erdogan empreende um expurgo contra simpatizantes do Hizmet, que inclui a demissão ou prisão de centenas de milhares de juízes, professores e outros funcionários públicos, sob a acusações de terrorismo. Outro lado Em contatos anteriores com a reportagem, a Embaixada da Turquia no Brasil afirmou que não comenta o caso de Sipahi por ser um processo em andamento, mas enviou uma nota reafirmando que as evidências reunidas até agora apontam Güllen como mentor da tentativa de golpe de 2016.  "O chamado movimento 'Hizmet' é, na verdade, um nome utilizado para disfarçar as atividades da organização criminosa e terrorista FETÖ. A FETÖ, cujo líder é Fetullah Gülen, é uma organização clandestina sem precedentes em termos de alcance global, ambições e métodos. A FETÖ é uma séria ameaça para a Turquia, assim como para outros países", diz o texto. Segundo o comunicado, o Hizmet "se disfarçou como um movimento de educação" para se infiltrar no governo e "gradualmente se transformou em uma estrutura operacional sigilosa com o objetivo de transformar a sociedade, assumindo o controle do Estado turco". "Fetullah Gülen é o líder de uma organização secreta, altamente hierárquica e antidemocrática (o chamado movimento Hizmet) que tentou o mais violento ataque terrorista da história turca na noite de 15 de julho de 2016", diz o texto. A nota afirma que a Justiça turca condenou vários membros da organização por crimes como lavagem de dinheiro, escutas telefônicas ilegais, fabricação de provas, intimidação e chantagem e "milhares de investigações e processos relativos às atividades ilegais de membros da FETÖ ainda estão pendentes".