Cotidiano

Família de americana achada morta em Paraty relata saga para levar o corpo para casa

  • 09/07/2019 12:15
  • JÚLIA BARBON
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Mais de duas semanas se passaram desde que o corpo da americana Danielle Davila, 32, foi achado nu, sem sinais de agressão, deitado na cama de uma pousada em Paraty, cidade histórica no litoral sul do Rio de Janeiro que acaba de virar patrimônio mundial. Até agora, porém, a família da artista não conseguiu levá-lo para os Estados Unidos e cremá-lo, como ela gostaria, nem sabe a causa da morte. Os motivos são os procedimentos investigativos, cuja demora a polícia diz ser normal, e uma barreira do consulado americano, que diz que o corpo não pode ser transportado até que a causa do óbito seja definida. Enquanto isso, uma das irmãs, a única que fala português (de um total de seis), relata a saga que estão vivendo desde que chegaram ao país, em 27 de junho, cerca de quatro dias após a morte da jovem. Além da tristeza, ela narra falta de informação, pouca assistência e dificuldades financeiras. "Nossa principal preocupação é tirar a minha irmã do IML [Instituto Médico Legal de Angra dos Reis], levá-la para casa, cremá-la e deixá-la descansar, mas me disseram que não é possível fazer isso porque ainda não temos a causa da morte", diz Claudia Davila em tom de desespero. "Por que os testes demoram tanto? Eu não entendo." Ela viajou a Angra junto com a mãe, a avó e outra irmã, além de amigas americanas e a família brasileira do filho de 12 anos de Danielle, que vive em Minas Gerais.  A mãe, que é diabética e tem artrite nas mãos, trouxe uma quantidade limitada de insulina e outros medicamentos, já que o plano era buscar o corpo e voltar no último 1º de julho, para quando já tinham comprado passagens. "Ela está destruída. A Dani falava com ela de 10 a 20 vezes por dia, por mensagens de texto, voz, FaceTime, WhatsApp, Instagram." Segundo Claudia, o consulado dos EUA no Rio ajudou a intermediar o contato com a polícia e o IML no início, mas depois disse que não era possível que alguém as encontrasse no aeroporto para dar suporte porque era feriado. "Estávamos todas muito perturbadas e confusas", conta, sempre em inglês. Aí veio o segundo gasto depois das passagens: R$ 700 de táxi do Aeroporto do Galeão, na zona norte da capital, para a cidade litorânea. Até hoje também não conseguiram comprar um chip de celular, o que dificulta o transporte e a comunicação, porque as empresas exigem um CPF. "Eu não conheço os direitos das minhas irmãs nem os nossos, não estou familiarizada com a lei aqui", afirma. "Eu fui ao juiz de Paraty três dias seguidos para ajudar a acelerar o processo. Todo mundo no IML sabe meu nome e minha cara porque eu tenho ido lá todos os dias. E a polícia em Paraty só se encontrou comigo uma vez." Quando informou o consulado de suas dificuldades e preocupações, lhe disseram que deveria contratar um advogado. Foi o que fez, adicionando mais US$ 2.500 à lista de despesas (US$ 9.500).  Foi por ele que foi informada de que teriam que esperar o resultado dos exames toxicológicos -que indicam se houve o uso de álcool ou drogas e são feitos apenas na sede do IML na capital fluminense- para poderem viajar com o corpo. O resultado desses testes costuma demorar de 15 a 30 dias, segundo Gabriela Graça, diretora da unidade. "Não tem nada fora do padrão. O caso dela foi até mais rápido, porque trouxeram o sangue na mesma madrugada. Normalmente as amostras de fora da capital chegam a cada 15 dias", diz. "Demora porque temos poucos peritos, estávamos recebendo novos insumos e têm outros exames em andamento que não podem ser interrompidos. Mas desde o início estamos priorizando esse caso, dentro do possível, já que tem essa questão do traslado." Segundo a Polícia Civil, o corpo está liberado para a família no IML desde o dia em que foi achado, após a necrópsia, que indicou causa indeterminada da morte. O empecilho, portanto, estaria no consulado, que não permite a viagem sem as razões do óbito esclarecidas.  Uma das hipóteses para isso é a possibilidade de um risco epidemiológico, caso a morte tenha sido causada por uma doença, mas o órgão americano não confirmou esse motivo. Disse apenas que, em respeito à privacidade da família, não comentaria especificidades do caso. Sobre a falta de auxílio criticada por Claudia, o consulado respondeu que está provendo toda a assistência necessária.  "Dependendo da situação, isso pode incluir a tentativa de localizar e informar o parente mais próximo, prover informação sobre como organizar enterros locais ou o translado dos restos mortais para os EUA, preparação do relatório consular de morte de cidadãos americanos no estrangeiro e auxiliar na recuperação de objetos pessoais do cidadão americano", informou. QUEM ERA DANIELLE E COMO ELA MORREU Danielle era música e estava em Paraty havia um mês. Ela vinha ao Brasil todo ano para ver o filho que mora em Minas com o pai, mas dessa vez resolveu estender a viagem para a cidade histórica para continuar perto do menino e também se inspirar artisticamente e ficar próxima da natureza. Nascida em Tampa, na Flórida, ela começou tocando "de ouvido" quando tinha 3 anos e já compunha aos 6, mesmo sem saber ler ou escrever, segundo a irmã. Aos 15, foi ao Peru estudar música e fotografia. Encontrou em Paraty uma segunda casa, para onde queria levar a mãe. "Se ela te conhecesse, ela saberia que gostaria de você em minutos e lhe daria a última moeda que tivesse no bolso. Ela compartilharia qualquer coisa que tivesse e faria você se sentir amada e especial", diz Claudia. Na madrugada em que morreu, em 23 de junho, um domingo, Danielle encontrou amigos e tocou em bares no centro da cidade, famosa pela noite agitada. Voltou para o quarto da pousada em que estava se hospedando de bicicleta, sozinha. No dia seguinte, um funcionário da pousada bateu na porta e estranhou quando ela não atendeu. Ela foi encontrada nua, usando apenas um colar, deitada de barriga para cima e coberta por um edredom até a altura dos ombros. Como ela não estava acompanhada, não houve relatos de discussão, nenhum objeto foi levado e a perícia não constatou nenhuma lesão de possível agressão ou estupro, o delegado do caso, Marcello Russo, trabalha com a hipótese de intoxicação involuntária, pelo uso de drogas e álcool. "Há relatos de que na noite anterior ela consumiu cerveja, vinho e cachaça e fumou maconha, e também de que ela fazia um ritual com um colar, deitava na cama nua sozinha, fazia orações e tomava um chá e LSD, que chamava de docinho. Isso não são conclusões, são depoimentos testemunhais, que vão depender do resultado do teste toxicológico", diz. O delegado afirma ainda que ouviu relatos de que ela estaria com um "comportamento depressivo, estaria chorosa, porque não estava conseguindo ver o filho de 12 anos por problemas com o ex-marido de Belo Horizonte". VERSÕES CONFLITANTES Claudia refuta essa versão. Ela diz que foi pessoalmente a cada lugar em que a irmã esteve naquela noite para tocar, cantar e dar apoio a outros músicos, e todos eles teriam dito o mesmo: a artista estaria feliz e rindo, e não chorando. Ela afirma que Danielle foi para a pousada de bicicleta em algum momento depois da 1h40, saindo de um sarau. Disse que era hora de ir, porque estava se sentindo bêbada e tonta, segundo as duas pessoas que estavam com ela nesses últimos momentos. "Uma delas disse que ela parecia coerente, e não embriagada, tanto que viu ela andar de bicicleta normalmente. Nada disso faz sentido. Ela nunca deixaria a porta destrancada enquanto estivesse nua, especialmente às duas da manhã, uma mulher sozinha em Paraty." "As únicas coisas que ela foi vista tomando foi cerveja e dois goles de cachaça. E depois fumou maconha com seus amigos. Está na câmera. Mas nada fora do comum, ninguém morre por dividir um baseado", defende a irmã. "E o colar ela usava para a meditação entre a natureza e os amigos, e não para usar drogas sozinha em casa." Enquanto os resultados dos exames não saem, Claudia e a mãe, as duas que continuam em Angra até hoje, não podem ir para casa. Os remédios vão acabando e as despesas, se acumulando.  Ela calcula que os gastos da família toda podem chegar a quase US$ 40 mil (R$ 152 mil), incluindo passagens, hotéis, alimentação, táxis, advogados no Brasil e nos Estados Unidos, transporte do corpo e funeral. Para ajudar, criaram uma vaquinha online. Na última quarta (3), quando Danielle completaria 33 anos, fizeram uma festa de aniversário com bolo, muitas "bugigangas", velas e suas comidas preferidas. "Tentamos ao máximo ser alegres, como ela gostaria que fosse", diz Claudia.