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Exterior
Trump trai curdos sírios e abre caminho a ação turca
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O presidente Donald Trump decidiu trair os curdos do norte da Síria, seus maiores aliados na guerra civil do país árabe, deixando o caminho livre para que a Turquia faça uma operação militar contra a minoria.
A radical mudança na política dos EUA, que financiam milícias da minoria curda na Síria desde que o conflito eclodiu em 2011, foi anunciada nesta segunda (7). Na prática, sinaliza o fim da presença americana na mais sangrenta guerra civil do planeta.
"Está na hora de sairmos dessas ridículas guerras infinitas, muitas delas tribais. Turquia, Europa, Síria, Irã, Iraque, Rússia e os curdos vão ter de achar uma saída para a situação", disse Trump no Twitter.
O anúncio foi mal recebido por diversos aliados de Trump, em especial no Senado americano, onde ele conta com a maioria republicana para barrar o eventual avanço do seu processo de impeachment na Câmara, dominada por democratas.
Trump até tentou remediar de forma algo atabalhoada, dizendo que, de acordo com sua "inigualável sabedoria", se a Turquia for longe demais, ele irá "destruir e obliterar a economia" do país aliado.
A decisão veio depois de uma conversa entre Trump e o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, por telefone no domingo (6) à noite. O americano disse que seus 2.000 soldados na região norte síria, a maioria de forças especiais, não iriam intervir contra a ação de Ancara.
Segundo o governo sírio e jornais turcos, já na noite desta segunda os primeiros ataques contra curdos começaram na fronteira. As forças americanas já haviam começado sua retirada para outras áreas do país -não estava claro se para fora dele, contudo.
Erdogan havia dito na terça (1º) que criaria à força uma zona tampão separando os curdos sírios do sul da Turquia, onde mora boa parte da enorme minoria curda em seu país.
Com entre 30 milhões e 40 milhões de integrantes, os curdos constituem a maior nação apátrida do mundo. Cerca de 20 milhões vivem na Turquia, e são considerados separatistas pelo governo.
Ao longo da guerra civil síria, diversos grupos foram armados pelos EUA para combater tanto o Estado Islâmico quanto a ditadura de Bashar al-Assad.
O Pentágono separou, em seu orçamento para 2020, US$ 550 milhões (R$ 2,23 bilhões) para a causa, e já gastou bilhões de dólares com o apoio --só em 2017, foram US$ 2 bilhões (R$ 8,13 bilhões) para rearmar a milícia YPG.
A região norte síria, a leste do rio Eufrates, é dominada pelas FDS (Forças Democráticas Sírias), uma coalizão entre curdos e árabes controlada pelos primeiros. Segundo o jornal britânico The Guardian, o porta-voz da entidade, Mustafa Bali, acusou os EUA de criar "uma zona de guerra".
A traição de Trump tem duas motivações centrais. Primeiro, lidar com a Turquia, que é um país tecnicamente aliado aos EUA por fazer parte da Otan, a aliança militar liderada por Washington.
Só que nos últimos meses Ancara inclinou-se para o lado de outro ator central na guerra síria, a Rússia de Vladimir Putin, que interveio decisivamente em favor da ditadura local a partir de 2015.
O ápice do estranhamento com Washington foi a compra de modernas baterias antiaéreas russas S-400, que levou os americanos a retirar a Turquia do programa de construção e fornecimento de caças F-35, de última geração.
Erdogan nunca confiou nos EUA pelo apoio dado aos curdos, o que ele vê como fomento à independência do Curdistão, que engloba também cerca de 2 milhões de pessoas na Síria, 8 milhões no Irã e 6 milhões no Iraque.
O esvaziamento da posição americana vinha ocorrendo desde que o então presidente Barack Obama disse que iria intervir se Assad usasse armas químicas -só para ser provocado várias vezes pelo ditador, sem nada fazer.
Não deixa, de certa forma, de ser coerente.
Trump elegeu-se prometendo deixar os campos de batalha que considera inúteis, e no fim de 2018 anunciou que sairia da Síria. Na prática, não funciona num mundo cheio de armadilhas geopolíticas, e ainda por cima chancela a posição dominante da rival Rússia e do arqui-inimigo Irã como os parceiros da Turquia na construção do futuro da Síria.
Para Erdogan, a vantagem é dupla. Os turcos ganham uma mão livre para agir contra os curdos e tentarão devolver ao vizinho cerca de 2 milhões de refugiados da guerra, que matou mais de 350 mil pessoas.
A questão é que a maior parte dessa gente fugiu da ditadura, e seu destino é incerto.
Há também a questão dos prisioneiros do Estado Islâmico, cerca de 60 mil pessoas nas mãos das FDS. É provável que a Síria, se tomar guarda deles, os entregue para o antigo desafeto Assad. Não será bonito de ver o resultado.
Com apoio de Moscou e de Teerã, o ditador sírio reconquistou cerca de 60% dos territórios que havia perdido. Agora, tem controle sobre quase todo o país, e a zona proposta pela Turquia, antes inaceitável, talvez seja o preço a pagar para encerrar a guerra.
Com a traição americana, as imagens de guerreiras mulheres da YPG, contraponto ideal na propaganda contra a barbárie misógina do Estado Islâmico, tenderão a virar exposições fotográficas num Ocidente que lavou as mãos e abandonou a causa que apoiou sem muita convicção.
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