Marinheiro: embaixador do samba

Historiador do carnaval em Prudente tem como foco de suas pesquisas e publicações os desfiles de escolas de samba que surgiram há cerca de 70 anos com a Bico de Ouro

PRUDENTE - HOMERO FERREIRA

Data 23/02/2020
Horário 08:25
Weverson Nascimento - Marinheiro defende a volta dos desfiles oficiais e afirma que subvenção municipal para esse fim não é gasto, é investimento social
Weverson Nascimento - Marinheiro defende a volta dos desfiles oficiais e afirma que subvenção municipal para esse fim não é gasto, é investimento social

Uma das maiores expressões da cultura popular, os desfiles de escolas de samba em Presidente Prudente surgiram nos anos 1950 com a “Bico de Ouro”, na Vila Verinha. A afirmação é do estudioso no assunto Euclides Marinheiros dos Santos, que já foi presidente do Grêmio Recreativo Escola de Samba Independentes da Zona Leste, criada em 1971 no mesmo bairro.

Sua inserção nesse segmento nasceu com a curiosidade de criança que assistia aos ensaios da Bico, sendo que adulto se tornou colaborador e depois dirigente. Bancário de carreira consolidada e enfrentando o preconceito da época, foi se ajustando à forte atração desse gênero musical brasileiro e se juntando ao sambista João Tavares da Silva, o popular Fornalha, líder da Zona Leste.

Seus pais Júlio Marinheiro dos Santos e Francisca Tavares dos Santos chegaram do Ceará em 1942, com três filhos e em busca de vida melhor. Raimundo, Maria Vilani e Marinete nasceram lá. Adão, Euclides e Elizabeth, em Prudente. A família morou onde hoje fica a figueira do Parque de Uso Múltiplo. Lugar de extração de argila para produção de tijolos, cujo buracão foi canalizado no final dos anos 1970.

Em 1957, foram para a Vila Verinha, bairro que recebeu asfalto 20 anos depois. Marinheiro estudou nas escolas Soares Marcondes, Tannel Abbud e Fioravante de Menezes. Formou-se técnico de contabilidade em 1974, no Joaquim Murtinho. Trabalhou desde muito cedo, como catador de recicláveis, cobrador, saqueiro, ajudante de eletricista e letrista, até ingressar no Banco Comercial do Estado de São Paulo.

Banco que passou por fusões e teve outros nomes até ser incorporado pelo Itaú, no qual trabalhou por 15 anos, sendo dois em Paraguaçu Paulista. Começou como contínuo e, por concurso, chegou a subchefe. Casou-se em 1972 com Santina Alves Moraes e têm três filhos: Débora, Denise e Jefferson, que lhes deram seis netos. Ao deixar o banco e retornar de Paraguaçu, em 1987 montou bazar na Vila Verinha e comprou chácara no Montalvão, onde mora desde 1994.

Ao mesmo tempo em que tinha o bazar, tocado em conjunto com sua esposa, exerceu outras funções, entre as quais na administração da Max Empreendimentos e Participações, diretor do Departamento de Agricultura da Sedepp (Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico), contador e assessor de imprensa da Câmara Municipal, com o apoio do então vereador Jorge Galli. Por essa atuação e publicações na revista Pagode no Pé, de São Paulo, obteve do Ministério do Trabalho registro de jornalista.

MAIOR ACERVO

DO CARNAVAL

Fez várias outras atividades, no setor comercial e telecomunicações. Possui o site O Embaixador, onde documenta o carnaval prudentino desde 1927; com foco nos desfiles de escolas de samba. Na condição de reunir e publicar o maior acervo é que na próxima sexta-feira participará, na condição de convidado especial, de mesa-redonda na Escola Aberta no Galpão, quando falará para arquitetos e outros profissionais.

Foi na chácara da benzedeira dona Izaltina que ficava apreciando a batucada conduzida por seu filho José Fontes, o Bunga. O máximo que conseguiu foi segurar a corda de proteção no entorno da  Bico de Ouro, para que as pessoas não invadissem o desfile, no final dos anos 1950. O nome da escola, sugerido pela lavadeira dona Nestina, surgiu do fato de que Bunga vivia assoviando e sua mãe dizia que ele tinha um bico de ouro.

Marinheiro conta que a concentração do desfile era na Vila Marcondes, antes da ponte de madeira sobre a estrada de ferro, atual pontilhão. O desfile ocorria no circuito das ruas Barão do Rio Branco e Tenente Nicolau Maffei com o contorno na Praça Nove de Julho e dispersão na Avenida Brasil. Depois de viver essa fase, o personagem desta reportagem de O Imparcial aprendeu a tocar violão com seu irmão Adão e curtiu a Jovem Guarda de Roberto Carlos e o rock internacional de Elvis Presley. 

Mas o samba voltou em sua vida, por acaso. Próximo do carnaval de 1972, época em que os jovens andavam em turma, ao saírem do Cine Theatro Phenix, na esquina da Barão com a Joaquim Nabuco, pegaram em frente à sorveteria tambores de papelão com fundo de lata. Deu um som legal. Na vila, deixaram os tambores na rua. No outro dia tinha uma meninada batucando e com o estímulo da Rádio Comercial, através do Hélio Athia e Bendrath Júnior, se organizaram para o concurso de carnaval.

Foi a origem da Zona Leste, inicialmente como Dente de Leite e depois Mandrakes. Quando Marinheiro viu a faixa com a bizarra abreviatura “Esc Sam de Le”, pegou seu material de pintura, escureceu o pano branco e escreveu o nome por completo. Passado algum tempo, foi procurado para fazer o estatuto, devido a sua capacidade de redação e por ter acesso à maquina de  escrever.

Esse envolvimento foi aumentado, envolvendo a sua família e sua casa era usada como oficina de costura e produção de adereços. Sua convivência com o samba não se restringiu à Zona Leste, por sua relação com a associação das agremiações, pelas reuniões, os desfiles e as apurações. Daí o conhecimento e o interesse em construir um acervo digital não somente empírico, mas sustentado em pesquisas na Fundação Museu Histórico “Prefeito Antônio Sandoval Netto” e nas publicações de jornais.

REALIZAÇÃO DE

DESFILES OFICIAIS

Os desfiles organizados pela Prefeitura, como forma de incentivo à cultura popular, começaram com o prefeito Walter Lemes Soares, em 1973; prosseguiram com Paulo Constantino, Benedicto do Lago, Virgilio Tiezzi, Mauro Bragato; foram interrompidos com Agripino Lima; retomados com Milton Carlos de Mello, Tupã; e novamente cessados por Nelson Bugalho. Dentre os locais diferentes para as apresentações das escolas de samba, Marinheiro entende ter sido melhor o Parque do Povo.

Na pista norte do parque (Avenida 14 de Setembro) em dois dias de desfiles o público passou de 30 mil. As escolas ao longo da história: Bico de Ouro, Saudosa Mangueira, Acadêmicos do Bosque, Vila Brasil, Dente de Leite, Mandrakes, Zona Leste, Malacos do Tênis, Agricolinos do Samba (Colégio Agrícola), Unidos do Jardim Paulista, Garotos da Vila Dubus, União da Vila, Águia Dourada, Dragões da Vila Liberdade, Se Sair é Milagre, 14 Bis, Tradição Cidade 2000, Renascer, Imperador do Brasil Novo, Real Grandeza, Samba Sereno e Unidos de Quem Vier.

Para Marinheiro, além do caráter cultural, as escolas de samba têm cumprido um papel social de relevante importância, por promover a vida em comunidade e o desenvolvimento de habilidades e competências, tais como: tocar, sambar, compor e cantar; fabricar ou consertar instrumentos; confeccionar fantasias; produzir adereços e alegorias; se apresentar em público e competir nos quesitos abre-alas, comissão de frente, harmonia, evolução, enredo, samba de enredo, mestre sala e porta-bandeira, bateria, fantasia, alegorias e adereços. Esse conjunto de realizações ajudou muita gente a se construir na vida e para a vida. O autor desta reportagem é um deles.

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