(In)consciência do trabalho negro no brasil

OPINIÃO - Fernando Batistuzo

Data 21/11/2023
Horário 04:30

Um desafio para quem lê este artigo e trabalha: no seu trabalho faça o “teste do pescoço”. Dê uma “pescoçada” em todos os setores da empresa na qual você trabalha, ou gerencie, e verifique quantos negros* trabalhando existem nela, e, quais as funções que ocupam.
Com certeza os resultados do teste vão variar muito, pois dependerá do setor de atividade da empresa e das funções ocupadas pelos trabalhadores negros, mas com uma probabilidade muito grande de acerto os resultados demonstrarão que dependendo da atividade da empresa haverá muitos ou poucos negros, e nas empresas nas quais haja poucos negros certamente não estarão ocupando os mais altos cargos.
A afirmação acima deriva de estatística, pura e simples. Passados mais de 130 anos da abolição da escravidão no Brasil, os negros em sua maioria (não se está generalizando!) ainda ocupam funções laborais tidas como “inferiores” (via de regra ligadas a atividades “braçais”), e mesmo que ocupem funções “superiores” (via de regra ligadas a atividades de coordenação, gerenciamento, supervisão), muitos recebem salários em valores inferiores aos dos trabalhadores brancos.
Este cenário ainda (!) é decorrente do modo pelo qual a abolição ocorreu no país, sem ter proporcionado às centenas de milhares de então escravizados qualquer forma de preparação para o mercado de trabalho profissional que surgia (ou se incrementava) no país, que passou a privilegiar a contratação de imigrantes europeus especialmente em virtude da industrialização que se iniciava e que seria incrementada no século XX.
A inexistência de uma política pública de preparação do trabalhador negro ex-escravizado no mercado de trabalho, aliada a outros gravíssimos problemas sociais brasileiros, como a má qualidade da educação pública, redundou para aqueles na falta de oportunidades para, “em massa” (e não um ou outro que atualmente se identifica), preencherem postos de trabalhos em todos os setores de atividades (mesmo os não “braçais”), e alcançarem salários iguais ao do trabalhador branco, tudo contribuindo para o atualmente denominado “racismo estrutural”, a situação em que se dispensa ao trabalhador negro um tratamento diferenciado (inferior), não necessarimente de modo deliberado, intencional, mas até sociológica e historicamente “inconsciente” (daí o título).
Ao longo do tempo, o Estado e a sociedade têm criado e adotado medidas, respectivamente, legais e de gerenciamento, tentando melhorar a condição de trabalho do negro no país. Legalmente, em nível constitucional e infraconstitucional existem normas, especialmente trabalhistas, que visam evitar discriminação e punir quando ocorrer. Socialmente, as empresas, especialmente com o surgimento da ideia ESG, têm criado políticas internas de incremento da “diversidade”, fazendo aumentar o número de contratação de negros em variadas funções, e incentivando a promoção destes hierarquicamente.
Referidas medidas de certo modo têm contribuído para melhorar a conjuntura do trabalho do negro no Brasil, mas ainda falta muito para se dispensar as “pescoçadas” e tê-los trabalhando, em grande número, em todos os setores das atividades econômicas, em todas as funções, e em condições de igualdade.

* A expressão é a do IBGE, para fins estatísticos, daqueles que se autodeclaram como pretos ou pardos.

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