A criança, desde muito cedo, experimenta situações entre o brincar e a realidade. Desde a sua concepção, experiências como separações, perdas e ganhos, ou seja, mudanças ou passagens de uma fase à outra, são inerentes e permanentes.
O nascimento significa necessidade, movimento, barulho, obscuridade, incerteza, passagem, sagrado, sublime ou seja, vida. Desde lá, a vida não para. Da amamentação ao desmame, da fralda ao desfralde, do engatinhar ao caminhar, da papinha ao arroz e feijão, assim seguimos. Há o enigma da esfinge que diz assim: Decifra-me ou devoro-te: O que é que de manhã tem quatro patas, de tarde tem duas e de noite tem três? O ser humano. Ele engatinha quando criança, caminha quando é adulto e precisa de uma bengala assim que envelhece. O Édipo foi quem respondeu à questão e derrotou a Esfinge.
A vida é um enigma a ser decifrado todos os dias. Quando deciframos um enigma e entramos num estado de entusiasmo, logo somos submetidos a outro. A criança desde muito cedo é submetido aos enigmas. O brincar normal de uma criança é um dos principais modos de elaboração de um conflito.
Hanna Segal, psicanalista, nasceu em 1918, em Lódz, na Polônia, descreve um caso clínico com um menino de quase 3 anos quando sua mãe ausentou-se de casa por um dia, para dar à luz seu primeiro irmão. Primeiramente ele fez uma complexa ferrovia para seu trenzinho de madeira. Encheu-o de bonequinhos, que sofreram várias colisões. Em seguida trouxe ambulâncias. Rapidamente demarcou algumas áreas com seus tijolinhos e preencheu-as com animaizinhos de brinquedo. Uma brincadeira complicada resultou em deslocar os machos, as fêmeas e os filhotes para dentro e para fora das áreas e do trem. Houve lutas e colisões. Ambulâncias vieram para o resgate. Durante o tempo todo, ele contava histórias para si mesmo. Introduziu homenzinhos maiores para controlar o trânsito, etc.
Em outras palavras, ele representou, de maneiras diferentes, o nascimento de novos bebês e seus conflitos em relação a isso. Para um observador interessado, era fascinante. A capacidade de brincar livremente depende da capacidade de simbolização. Quando a função simbólica é perturbada, pode ocorrer inibição. No caso de uma criança autista a inibição é quase total. O brincar tem raízes em comum com o sonho. Numa sessão de psicanálise, o brincar, como os sonhos, rapidamente se torna um importante meio de comunicação. O sonho é do sonhador e é a via régia do inconsciente. Para Freud, os sonhos são os guardiões do sono.