A nota 10 serve para quê?

Roberto Mancuzo

CRÔNICA - Roberto Mancuzo

Data 11/04/2023
Horário 06:00

Parei de corrigir provas por um instante para escrever esta crônica. Ao meu lado estão mais de 250 folhas de respostas, que foram preenchidas pelos alunos na semana passada durante o típico processo de avaliação escolar. 
São mais de 250 folhas de respostas aqui comigo e mais 250 universitários em estado de muita apreensão, expectativa, medo, otimismo e pessimismo por aquela que irá sinalizar se a pessoa “é boa” ou “é ruim” na disciplina: a famigerada nota.
Eu coloco entre aspas as palavras “boa” e “ruim” porque quero dizer que a nota, apesar de supervalorizada, nunca foi e nem nunca será o ponto decisivo que irá dizer se alguém dará certo na vida ou não. No máximo é um indicador se a pessoa foi bem ou mal diante dos poucos assuntos que lhe foram questionados. 
Ou seja, dar tanta atenção assim para uma nota é correr o risco de se inserir uma meritocracia perigosa. Porque, você sabe, meritocracia não serve para nada se as pessoas saíram de linhas de partida diferentes. E quase sempre são diferentes.
Não ter acertado a questão sobre função da linguagem não diz que a pessoa é pior do que quem acertou e nem diz também que ela não sabe sobre o assunto. Pode ter sido uma má interpretação, um deslize e não a tira do radar de ser bem avaliada pelo professor. 
Professor, aliás, que deve saber de imediato que a nota nunca poderá ser o grau máximo de avaliação de um aluno. É ali, no dia a dia, na atenção que ele dispõe, no contato, nas perguntas feitas, no esforço em chegar para a aula, na reflexão crítica das atividades produzidas em sala que reside o mapa de uma boa avaliação individual. A nota tem que compor, mas nunca pode impor. 
Estou cansado de citar e poderia escrever e linhas e mais linhas aqui de exemplos de alunos nota 10 que estão hoje fora do mercado e estudantes que permearam a faculdade toda na média ou entre 6 e 8 que hoje são muito bem-sucedidos. 
Então, decidir pura e simplesmente por um indicador numérico se você é bom ou ruim é reduzir muito a sua própria inteligência e sua capacidade.
Tudo bem que estamos aqui diante do fruto de um sistema de ensino que durante anos ancorou o saber em uma escala de 0 a 10 ou de A a E, e não por menos que lembramos com muita saudade do “A” com estrelinha que a tia Cida colocava. Era dia da glória, de jogar na cara do mundo que você era alguém. E o contrário era cruel. Tirar um E ou um 4 simplesmente acabava com nossa vontade de viver em sociedade. 
Aprendemos assim e aprendemos tanto que até hoje é difícil largar desta mania besta de nos avaliar por números ou letras. 
Instituições de ensino como a que eu trabalho têm realizado boas estratégias para avaliação individual e composição dos índices e por certo conseguido criar uma justiça necessária em como o estudante será avaliado durante seu percurso acadêmico. Tenho condições de avaliar um futuro profissional e garanto que isso não se dá apenas pela nota.
Mas é preciso que não somente eu ou universidades, faculdades e outros centros de ensino façam isso. É preciso que cada cidadão também dê sua contrapartida para acabar com esta ditadura da nota pela nota. 
Pais e estudantes precisam entrar no jogo por se sentirem satisfeitos com o conhecimento e que ele seja medido pela capacidade humana em criar competências e habilidades em uma profissão e não pelo número que o professor colocou lá perto do cabeçalho. 
 

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