A saúde mental na segurança pública

OPINIÃO - Jacqueline Valadares

Data 07/02/2023
Horário 04:30

O primeiro mês do novo ano já se foi e pouco se ouviu falar, no âmbito da segurança pública, sobre o “Janeiro Branco”, campanha mundial que visa conscientizar sobre a importância da saúde mental e, sobretudo, o combate à depressão e ao suicídio. 
Não é nenhuma novidade que a profissão do policial é repleta de dificuldades e desafios. Estes profissionais prestam serviço em condições adversas de segurança, com risco iminente, e muitas vezes, no período noturno. Além disso, podem ser chamados a qualquer hora para realizar diligências em diferentes regiões do país. Via de regra, policiais saem pela manhã de suas casas e não sabem como será o dia de trabalho; não sabem em que condições retornarão para suas famílias e para o seu lar. Não sabem, sequer, se retornarão. Arriscam suas vidas para proteger o cidadão, a população, o patrimônio público; se arriscam para garantir a ordem e combater o crime - diga-se de passagem, cada vez mais aparelhado, organizado, audacioso e cruel. 
Sendo assim, é natural que a tensão, o medo e a insegurança sejam alguns sentimentos que orbitam os pensamentos de um policial e que podem fazer com o mesmo adoeça. Os índices quanto a afastamento médico, desistência da carreira, desenvolvimento de depressão severa e de tentativas de suicídio corroboram, infelizmente, com minhas palavras. Por outro lado, pouco se fala a respeito da saúde mental dos profissionais de segurança. A maioria dos governos não tem preocupação em propor uma política de saúde voltada a este público. 
Em recente pesquisa publicada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública e pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública foi constatado que a quantidade de óbitos de policiais fora do expediente é consideravelmente superior às mortes em horário de trabalho: são 295 baixas por ano no primeiro caso em contraponto a 16 óbitos anuais da segunda ilustração.  
O mesmo levantamento analisou as causas das mortes dos profissionais da segurança pública entre os anos de 2015 e de 2020 e notou que as doenças físicas assumiram o protagonismo - parte delas, também provocadas por estresse, ansiedade, melancolia e depressão. Muitas das enfermidades, inclusive, poderiam ser tratadas por meio de atendimento adequado e um acompanhamento preventivo da saúde do policial. Este cenário desolador só não é pior que outro dado deste estudo: o que alerta que a segunda maior frequência de óbitos entre policiais é o suicídio. 
Mais do que nunca, é imprescindível que, possamos, poder público e sociedade, refletir sobre as causas que levam um policial a dar fim a própria vida. O suicídio tem causas multifatoriais quando se fala em psicologia e medicina, mas ainda inclui conflitos familiares - não raro, desencadeados pela sobrecarga de trabalho. O superendividamento, reflexo dos baixos salários pagos não de hoje à categoria, também reforça a lista de fatores, bem como o medo, a insegurança e a incerteza do futuro.  
Falar sobre o que acontece é importante e pode salvar vidas. Não se pode banalizar as necessidades de saúde dos policiais, tampouco ignorar um ideal de invulnerabilidade, supervalorizando o mito do “herói” que não precisa cuidados. 
Em síntese, o que se pretende aqui é destacar a necessidade de que os governos implementem, de forma institucional, contínua e efetiva, políticas de saúde na segurança pública. Todavia, imperioso que se tenha em mente que tais providências não devem ter como norte, tão somente, a remediação, mas, sim, a prevenção por meio de assistência à saúde física (alimentação, sono, condição orgânica), mental (desmistificação e combate ao estigma do policial invulnerável), social (fortalecimento das relações familiares), ambiental (moradia, transporte, remuneração adequada) e institucional (infraestrutura de trabalho) destes profissionais. 
Este é um desafio que lanço aos atuais governantes. Quem cuida, afinal, também precisa de cuidados. Quem protege precisa também ser protegido. E esta prerrogativa é de quem responde pela operação das forças de segurança de nosso país. É preciso que se invista nesta frente e, sobretudo, admitir essa necessidade. É preciso, em suma, coragem.  
 

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