A vaidade

Divido alguns fragmentos de um livro que estou lendo sobre a vaidade. É de Luís Carlos Uchoa Junqueira Filho (médico e psicanalista), lançamento em 2021. Atualmente poder e vaidade andam juntos. Acredito ser uma dupla tóxica e perversa. Em tempos atuais, observamos, nos relacionamentos, interferências muito vivas dessas duas, levando a amizade à esterilidade. Sementes da fertilidade andam escassas entre as pessoas. A vaidade tem seu lado bom também. É importante equilibrar. 
Alguns trechos do livro, compartilharei com vocês. “A primeira das vaidades é aquela que nos lança narcisicamente a nos encantar com a nossa própria imagem. Gradualmente vamos nos entretendo ao longo da vida com um desfile de vaidades até que, subitamente, nos vemos enredados nas vaidades da velhice: discursiva, prudencial, históricas e frequentemente imbecil. Perdemos a inocência assim que adquirimos o uso da razão, e perdemos a razão assim que tornamos ao estado de inocência. Indiscretamente, sentimo-nos vaidosos por sermos entendidos, mas logo o feitiço vira contra o feiticeiro: senhores do entendimento, ficamos sem desculpa para nada. Esse é o veneno narcísico. 
A dramaturgia do interesse diz assim, a vaidade é um ator que se adapta a qualquer papel. Vejamos, como exemplo, os destinos de uma ajuda ou benefício: pode gerar ingratidão para que o beneficiado não se sinta humilhado pela ajuda recebida; há aqueles que, por vaidade, confessam benefícios que nunca receberam; outros reconhecem benefícios verdadeiros achando, vaidosamente, que a mera confissão da dívida já a elimina. Há, no entanto, um papel que se adapta como uma luva à vaidade: o de agente de dissensão. Insensivelmente, ela cria um divórcio entre quem recebe um favor e quem o faz: este, por vaidade, encena um esquecimento, o outro se constrange por havê-lo esquecido. 
Na esteira do dinheiro, a vaidade também não tem cor, como expresso no dito “falem mal, mas falem de mim”. A vaidade é a força motriz do espírito empreendedor, é a energia potencial que faz brotar o desembaraço, a confiança, o arrojo e a certeza, é, em suma a carta de garantia das descobertas científicas, do desenvolvimento social e da criatividade artística. O homem, onde a vaidade não predomina, é tímido e rodeado por dúvidas e receios: seu surgimento, traz consigo o desembaraço, a confiança, o arrojo e a certeza. Por isso, o homem sem vaidade nutre um desprezo universal de tudo, a começar por si mesmo; encara a reputação como uma fantasia inconstante, entende o valor como um meio cruel idealizado pela tirania para implantar a escravidão; olha para a benignidade como uma virtude mercenária a serviço de interesses pessoais. 
E, por último, transforma a fama num objeto incerto, cujo valor não paga o esforço de consegui-lo. Talvez o mais difícil seja admitirmos ser a vaidade uma paixão natural, nascida da autoestima, mas logo adquirindo uma ambição própria que a leva a flertar perigosamente com a possessividade, o desprezo, a avareza e arrogância. Além do mais, ela acaba por se travestir de certas virtudes como a humildade e a generosidade, aproveitando- se do fato de que, mesmo o mais autêntico dos humildes, nunca é totalmente insensível ao respeito e ao desprezo.
 

Publicidade

Veja também