Apenas um rapaz latino americano...

Persio Isaac

CRÔNICA - Persio Isaac

Data 13/09/2020
Horário 07:45

Tinha 15 anos em 1968. O mundo já havia chorado a morte do presidente americano, JFK. Na aldeia sagrada, eu não sentia o peso de nada, muito menos da tal da ditadura, aliás, nem sabia que existia. Não era nada ligado em política. O meu mundo era jogar conversa fora sentado no "murinho" da Avenida Washington Luiz com os amigos. Os papos descontraídos varavam a madrugada. 
Certo dia, meu pai abre a janela do seu quarto que dá de frente para o tal "murinho", do outro lado da rua, e pergunta para a vagabundagem presente: "Fecharam algum negócio ‘bão’? Meu primo Celio ri até hoje quando lembra dessa passagem com meu pai. Enquanto o líder estudantil, Daniel Cohn-Bendit, liderava 10 mil estudantes em Paris das universidades de Nantarre e Sorbone, lutando contra o conservadorismo, clamando por liberdade, desejando um mundo mais igual, eu queria jogar futebol e cantar sambas de Cartola, Zé Keti ou de Noel Rosa. 
O mundo perdia grandes líderes, como Martin Luther King e Bob Kennedy, assassinados pela intolerância e eu preocupado com o meu Corinthians que iria enfrentar o lendário Santos de Pelé. Será que vamos quebrar o tabu dessa vez? Não aguento mais as gozações das malditas segundas-feiras na escola. As meninas do mundo estavam tomando pílulas anticoncepcionais vivendo o sexo sem culpa, drogas e rock an roll e eu vestido de coroinha na missa das 18h na Catedral, sentindo o cheiro de incenso da fumaça branca, balançando os seis sininhos e ouvindo o padre José dizer: "Eis o mistério da Fé". Ainda é a frase que mais gosto, acho tão enigmática. 
Os jovens de 1968 queriam fazer história, serem protagonistas, mudar o mundo. Eu só queria receber um passe mágico do Tiago e marcar um gol, me sentir como Pelé, socando o ar como se estivesse passando a mão na lua. O mundo assistia em preto e branco a Guerra do Vietnã, as bombas de Napalm explodindo na Indochina e o movimento hippie nascendo a 5 mil milhas da morte e eu ligado nas jovens tardes de domingo e nos festivais de música da Record. 
Um cara magrelo, feio pra caramba, chamado Caetano Veloso, chamou minha atenção com a música, “Alegria, Alegria”. Depois achei mais estranho ainda um som de um instrumento elétrico de nome guitarra, de um grupo chamado Mutantes, que junto com um cara barbudo de nome, Gilberto Gil, cantavam uma música chamada “Domingo no Parque”. A música brasileira estava mudando. 
Alguns anos depois estava em São Paulo fazendo faculdade de Psicologia, fui ao Teatro Bandeirantes assistir o show “Falso Brilhante” com Elis Regina. Um show que quebrou todos os paradigmas. Um marco para a música brasileira. Saí de lá abismado, apaixonado por uma música, "Como nossos pais", de um tal de Belchior. Hoje com meus 67 anos aprendi que arrumar sua própria cama tem um significado universal.
 

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