Cancioneiros do Brasil

OPINIÃO - Raul Borges Guimarães

Data 28/08/2022
Horário 04:30

Não me lembro qual foi a última vez que fui assistir a um show ao vivo mas, certamente, a minha primeira experiência foi “Falso Brilhante”. Estávamos em 1977 e nossa querida Elis Regina já completava mais de 200 apresentações naquele estrondoso sucesso que lotava o Teatro Bandeirantes, ali na Avenida Brigadeiro Luis Antônio, desde 1975. O espetáculo era uma mistura de circo e show musical que tinha o objetivo de contar a história de Elis Regina. Ele ocorreu apenas em São Paulo e atraiu um público aproximado de 280 mil pessoas! Que maravilha ouvir “Como nossos pais”, “Velha roupa colorida” ou “Tatuagem”...
Todas essas músicas soavam nos meus ouvidos enquanto eu esperava começar o show “Bloco de rua” de Ney Matogrosso, na última sexta-feira em São Paulo. O Teatro Bandeirantes não existe mais e os artistas não ficam em longuíssimas temporadas numa mesma cidade. Não. As casas de espetáculo se especializaram em shows musicais e são gigantescas. E o artista precisa girar pelo país em passagens relâmpagos pelos maiores centros urbanos. 
Ney Matogrosso possui um olhar penetrante que me lembra o de Elis. No show de Elis, essa captura mágica do olhar foi em “Falso brilhante”, que ainda insisto recordar, girando na vitrola o memorável disco de vinil de mesmo nome. Incrível que o mesmo acontece no show de Ney, com aquele timbre de voz inconfundível e o olhar profundo como de Elis como se quisesse me revelar segredos, especialmente na canção “Yolanda”... Enquanto isso, a gigantesca casa de espetáculo paulistana era iluminada por feixes de luz vindos do palco e de milhares de celulares que alimentavam as redes sociais com fragmentos do show, numa mistura performática de tecnologias audio-visuais. 
Em certo sentido, os dois artistas guardam alguma semelhança, seja pelo timbre inconfundível da voz ou do repertório bem brasileiro (mas com pinceladas latino-americanas). O show de Ney Matogrosso revela, assim como Elis, grande diversidade do repertório: “Eu quero é botar meu bloco na rua” (Sergio Sampaio), de onde saiu o título da turnê, “A Maçã” (Raul Seixas), “O Beco”, gravada por Ney nos anos 80 (Herbert Vianna/Bi Ribeiro) e “Mulher Barriguda”, do primeiro álbum dos Secos e Molhados, de 1973 (Solano Trindade/João Ricardo), dentre outras.
Sem dúvidas os dois artistas são personalidades muito fortes que impactaram costumes, provocaram polêmicas. Mesmo que muito mais discreto, Ney Matogrosso não deixa de mandar o seu recado sobre muitos temas que nos afligem, como a fome e a destruição ambiental. Elis Regina também teria hoje 77 anos e não tenho dúvidas que ainda estaria nos palcos. Mas a nossa “Pimentinha” (como Elis era conhecida) certamente estaria nas ruas e nos palanques, talvez cantando “Arrastão”, a canção de Vinicius de Moraes e Edu Lobo que a revelou no festival da TV Excelsior de 1965. 
 

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