Após postar nas redes sociais o vídeo em que interpreta a música “Baba O’Riley”, da banda The Who, Matheus Cuelbas, de 20 anos, atingiu milhões de visualizações e o compartilhamento de grandes páginas do cenário nacional do rock e de notícias positivas. Nos perfis do jovem autista no Facebook e Instagram, os milhares de compartilhamentos e comentários divulgaram uma parte do trabalho desenvolvido por ele.
“Posso dizer, com absoluta certeza, que a música é o que me mantém vivo, é a minha bússola em dias em que me encontro perdido e sozinho”, afirma. Atualmente, o canal no YouTube “David Sue”, nome artístico escolhido por ele, conta com mais de 30 mil visualizações e um EP autoral, lançado em 2019, que tem mais de mil ouvintes mensais no Spotify.
Amante da música nacional e internacional, de Beatles a Raul Seixas, ele explica que a canção foi gravada com a câmera do celular, durante uma habitual aula de canto. Após elogios do professor e alguns ensaios, a música da banda britânica foi a escolhida para a gravação no dia.
“Fico com um sorriso no rosto de ver tanta gente encontrando alguma coisa positiva na minha voz, até porque eu nunca gostei dela, o timbre, tudo me parecia muito infantil. No começo deste ano, comecei a aceitar melhor meu instrumento de trabalho. Vejo também um lado de mães e pais de autistas que me veem como uma esperança. Teve gente comentando: ‘meu filho tem autismo também, espero que ele consiga ser como você’.
O professor de música do jovem há seis anos, Fabiano Negri, afirma que o reconhecimento do talento era uma questão de tempo. “Eu já havia dito pra ele ‘um dia as pessoas vão prestar atenção na sua voz’, e esse dia chegou! A música gravada foi um trabalho comum que a gente faz em sala de aula, com vídeo, e com as canções. Já fizemos várias músicas, várias vezes, de forma diferente. Essa foi mais uma delas. E calhou de ser aquela em que as pessoas se identificaram e começaram realmente a viralizar”. Apesar de apoiar o crescimento profissional do jovem, a preocupação inicial foi de saber como Matheus reagiria à exposição. “Não posso negar o medo em saber como ele iria encarar tudo isso, já que estamos falando de milhões de pessoas vendo o vídeo, mas ele está com o pé no chão, sabendo levar a situação de uma maneira muito bacana”, conta.
“Os pés no chão” do Matheus, em relação aos vídeos postados na internet, também fazem parte do tratamento que realiza desde 2014. O jovem foi diagnosticado com Síndrome de Asperger aos 14 anos - Transtorno do Espectro Autista (TEA) - que afeta a capacidade de se socializar e de se comunicar com eficiência. Segundo ele, o diagnóstico era um resumo da sua adolescência, período em que teve grande dificuldade de interação social.
Além de tomografias e outros exames, os médicos também constaram, na época, sintomas de depressão. Junto ao resultado clínico, ele iniciou o tratamento com especialistas e as aulas de violão. “Quando saí da escola que estive por nove anos da minha vida, mudei minha terapia convencional para a terapia ABA. Muitos tópicos que trabalhei no tratamento são os pilares da carreira musical que estou desenvolvendo, como não querer fazer tudo sozinho, ouvir instruções de profissionais e não criar expectativas muito altas. Acredito que o emocional e o profissional são pontos que devem estar em equilíbrio”, diz Matheus.
Ao assistir a desenvoltura do jovem músico nos vídeos publicados nas redes sociais, não se imagina os desafios que existiam no início do tratamento. De acordo com a mãe de Matheus, Cláudia Cuelbas, as sessões de terapia e as aulas de música auxiliaram no enfrentamento dos medos, que, hoje, permitem que ela comemore pequenos momentos em família.
“Quando ele começou a terapia, foi muito difícil, pois ele não queria de forma alguma, ficava emburrado e nervoso. Quem vê o Matheus agora nem acredita. A intervenção em ABA foi o que aconteceu de melhor na nossa vida porque os terapeutas são ótimos e têm muita paciência”.
Cláudia lembra que as aulas de violão, realizadas em uma escola perto de casa, eram a forma encontrada pelo jovem de expressar seus sentimentos. No quesito profissional, o professor Fabiano aponta a timidez e a falta de confiança como as principais barreiras nas primeiras aulas. Com o tempo, as conversas entre professor e aluno foram além do âmbito musical, possibilitando o crescimento e os resultados, como o vídeo viralizado.
Os sintomas no começo do tratamento foram os mesmos constatados pela psicóloga e analista comportamental do Grupo Conduzir, Larissa Aguirre. “Matheus chegou até nós por indicação de sua fonoaudióloga, que conhecia sobre a terapia ABA e sua eficácia. No início da terapia, as principais dificuldades eram de relacionamento social, de lidar com um grande sofrimento emocional e de realizar tarefas do dia a dia com independência”.
Há três anos, o tratamento do Matheus segue o modelo da Análise Comportamental Aplicada, conhecido pela sigla ABA - Applied Behavior Analysis. Trata-se de uma ciência usada para a compreensão do comportamento que vem sendo amplamente utilizada no atendimento a pessoas com desenvolvimento atípico, como o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). A ABA deriva do behaviorismo, que tem como finalidade o estudo do comportamento por meio científico.
De acordo com a terapeuta, as principais funções e atividades desenvolvidas pelo músico ao longo dos anos envolvem habilidades de controle financeiro, repertório de autocuidado e autonomia, tolerância em aceitar opiniões divergentes, empatia, aquisição de repertório para conversar sobre temas variados (capacidade antes exclusiva no campo da música), identificação das situações e suas consequências, autoestima, autoconfiança e atenção compartilhada. A psicóloga que acompanha o caso de Matheus comemora:
“Foi incrível ver o reconhecimento das habilidades do Matheus. É emocionante acompanhá-lo conseguindo generalizar e utilizar as habilidades aprendidas em contexto natural de maneira adequada. Nós sempre acreditamos no desenvolvimento dele, até mesmo quando para ele era difícil acreditar. E vê-lo recebendo esse carinho e reconhecimento das pessoas é muito emocionante.”
Para Matheus, a rede de apoio formada por familiares, amigos e os professores de música é o que o ajuda a realizar os sonhos e insistir em projetos profissionais. “Acho que eles foram as lanternas que iluminaram minha mente escura para novos horizontes e também aqueles que tiraram um momento da aula para ouvir meus lamentos pessoais. Tive sorte de ter uma família fantástica e de ter achado as pessoas certas para construir uma amizade verdadeira”.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA), conhecido como autismo, engloba diferentes condições e graus de dificuldade no desenvolvimento neurológico. De acordo com os dados do Center of Deseases Control and Prevention, CDC, o autismo afeta 1 a cada 54 pessoas no mundo. Assim, a estimativa é que no Brasil existam cerca de 2 milhões de autistas.
Os graus de autismo são classificados do mais leve ao mais severo. O diagnóstico proferido ao Matheus em 2014 determinou uma disfunção de Nível 1, a Síndrome de Asperger, também chamada de “autismo de alto funcionamento”, caracterizada pelo atraso na comunicação e na interação social, além do interesse restrito por temas do cotidiano, como a obsessão pela música, que o impedia de conversar e conhecer outros assuntos.
“Para dar um exemplo, seria o caso da criança que apresentou pouco ou nenhum atraso da fala em si, mas que possui dificuldade em comunicar seus sentimentos, emoções e fazer ou manter relacionamentos de amizade com seus pares”, exemplifica a mestre e doutoranda em Análise de Comportamento, coordenadora do Instituto de Pesquisa Conduzir, Renata Michel.
A especialista ainda explica que, se um indivíduo tem déficits e/ou excessos comportamentais típicos do diagnóstico, a abordagem em ABA, aplicada por um profissional capacitado, pode reverter o quadro por meio de tratamentos corretos que irão aumentar ou diminuir os sintomas, a depender do objetivo, para que sejam apresentados comportamentos mais próximos aos esperados para pessoas da mesma faixa etária.
Apesar de ainda ser tema de estudos neurológicos, já é possível afirmar que o funcionamento do cérebro dos autistas é diferente e, por isso, tem uma compreensão distinta de atividades, o que poderia explicar melhores habilidades de foco e memória visual, entre outras características:
“Não podemos afirmar que os autistas de alto funcionamento são mais propícios ao desenvolvimento de habilidades focadas, mas sim que o autista de alto funcionamento que possui QI (Quociente de Inteligência) normal ou acima da média pode desenvolver habilidades muito significativas. Apenas 1% da população total de indivíduos com TEA possui o chamado “savantismo”, que considera o desenvolvimento de habilidades extraordinárias”, explica a especialista Renata Michel.
O Grupo Conduzir é formado por equipe de profissionais especializada em Análise do Comportamento Aplicada (ABA), proporcionando um atendimento capaz de oferecer uma interface entre a área clínica e educacional.
Também conta com profissionais da área de Psicopedagogia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, que atuam sempre com a base e supervisão de um Analista do Comportamento, otimizando os resultados a serem atingidos.
O foco de trabalho da equipe de profissionais do Grupo Conduzir é o atendimento de crianças, adolescentes e adultos com transtornos do neurodesenvolvimento leve, moderado ou grave, sobretudo as que se enquadram nos Transtornos do Espectro Autista (TEA).