Cultura do lixo e leishmaniose

OPINIÃO - Luiz Euribel Prestes Carneiro

Data 18/07/2019
Horário 05:36

Em uma publicação recente feita por um grupo de pesquisadores de várias instituições de Presidente Prudente em uma importante revista científica: Parasites and Vectors, foram abordados os diferentes aspectos responsáveis pelo avanço da leishmaniose visceral na área urbana da cidade. É uma doença considerada negligenciada mundialmente, onde pouca importância é dada, tanto pelas autoridades públicas quanto pela comunidade médica e, em nosso caso, principalmente pela população.

Nessa pesquisa, na área urbana da cidade, foram estudados os vetores (mosquito palha, que transmite a doença), os cães (reservatórios do parasita, causador da doença), os indivíduos que se infectaram e os fatores ambientais que favorecem a proliferação do mosquito e, consequentemente, a dispersão da doença. Os mosquitos foram encontrados inicialmente em 2009, próximos a um shopping, e até 2015 se espalharam por todos os setores da cidade. Os primeiros cães infectados foram encontrados em 2010 e, até dezembro de 2015, 40.309 cães foram investigados e 638 apresentaram sorologia positiva para a doença. O primeiro paciente diagnosticado foi em 2013 e, até 2017, houve seis casos com duas mortes.

Mas neste trabalho, o que realmente chamou a atenção foram os fatores ambientais envolvidos nos três principais focos de cães infectados entre 2010 e 2015: por toda a cidade, foram encontrados 56 pontos de depósito irregular de resíduos sólidos (lixões), especialmente na periferia e ao lado de cursos d’agua ou pequenas matas, porém alguns deles próximos ao centro da cidade. Embora o poder público venha insistentemente conscientizando a população através de panfletos, anúncios na televisão, rádio, jornais, faixas e outdoors, sobre o papel da coleta e destino apropriados do lixo no controle de doenças transmitidas por vetores, como dengue e leishmaniose, parte da população simplesmente despreza e ignora esse fato. Parece que em Prudente, assim como em outras cidades brasileiras, há uma cultura ao lixo.

Recentemente, ao participar de um encontro internacional em Portugal sobre o assunto, constatei em inúmeros trabalhos científicos apresentados o que já havia presenciado pessoalmente. Em regiões quentes da Espanha, Itália e Portugal, onde a leishmaniose se espalha lentamente, há uma grande conscientização da população no cuidado com os cães e no controle e preservação do meio ambiente. E isso faz toda a diferença.

Atualmente, vivemos uma grande epidemia nacional de dengue e muitas medidas aplicadas no controle ambiental da leishmaniose visceral são válidas à dengue. Graças ao esforço das autoridades, um grande avanço no controle dos cães infectados, no diagnóstico precoce e tratamento dos doentes têm sido obtido, mas o elo mais fraco da corrente parece ser a conscientização da população, que transforma parte de Prudente, a mais importante cidade da região, em um grande lixão a céu aberto. O trabalho publicado teve a participação de pesquisadores da Unoeste (Universidade do Oeste Paulista), Insitututo Adolfo Lutz, Sucen (Superintendência de Controle de Endemias), Semea (Secretaria de Meio Ambiente) e Unesp (Universidade Estadual Paulista), e fez parte de dissertação de mestrado em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional da Unoeste.

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