Denúncia aponta supostas irregularidades em escavações no sítio paleontológico de Prudente

Paleontóloga afirma que trabalho comandado por William Nava fere regras de pesquisa científica e que fósseis foram retirados do país sem autorização

PRUDENTE - DA REDAÇÃO

Data 11/09/2023
Horário 17:45
Foto: Arquivo
Denúncia aponta supostas irregularidades nas escavações de fósseis no Parque dos Girassóis
Denúncia aponta supostas irregularidades nas escavações de fósseis no Parque dos Girassóis

Mestre em Geociências e pós-doutoranda em Paleontologia pela Unesp (Universidade Estadual Paulista) e também doutora em Ciências Biológicas pelo Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a paleontóloga Silvia Regina Gobbo protocolou, na semana passada, uma denúncia ao Comudephaat (Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico) de Presidente Prudente apontando supostas irregularidades nas escavações de fósseis extremamente raros de aves do período cretáceo, as Enantiornithes, no sítio paleontológico municipal, localizado no Residencial Parque dos Girassóis

Os trabalhos em questão foram encabeçados por William Roberto Nava, diretor do Museu de Paleontologia de Marília (SP), junto a pesquisadores estrangeiros dos Estados Unidos, da Argentina e da Espanha. 

Segundo a lei nacional, o ingresso no Brasil de pesquisadores estrangeiros para participar de atividades de cooperação científico-tecnológica está regulamentado pelo §2º, do art. 29, e §5º, do art. 34, do decreto nº 9.199/2017, pelo decreto nº 98.830/1990, pela portaria do MCT (Ministério de Ciência e Tecnologia) nº 55/1990, pela portaria MCT nº 3.853/2020 e pela resolução normativa nº 20/2017 do CNig (Conselho Nacional de Imigração), sendo que, no caso da retirada de fósseis, não é possível ser realizada sem a autorização da Agência Nacional de Mineração.

A denúncia da paleontóloga do campus da Unesp de Rio Claro (SP) feita ao conselho gira em torno de quatro problemáticas principais: 

  • “Pelas normativas do Ministério da Ciência e Tecnologia e CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], estrangeiros não podem ter nenhuma atividade de pesquisa no país sem autorização federal”, cita Silvia Gobbo. Os paleontólogos argentinos Luis Maria Chiappe, que liderou um grupo expedição do Museu de História Natural de Los Angeles, e Augustin Guillermo Martinelli, do Museu de Ciências Naturais de Buenos Aires, atuaram junto à Nava no processo de escavações do sítio. O trabalho de escavação foi noticiado por este diário em meados de maio do ano passado. 
  • A paleontóloga pontua que o Museu de Marília “não tem um cientista que possa pedir essa autorização federal para um trabalho de cooperação internacional”. Segundo ela, Nava “é um paleontólogo amador que não tem formação de mestrado ou doutorado e, portanto, não é um pesquisador”.
  • A legislação impede que materiais fósseis saiam do Brasil sem autorização e há artigos científicos da USC (University of Southern California) demonstrando a saída destes do país sem os registros dos órgãos federais competentes. A denúncia cita que o artigo da USC faz referência a “mais de 1.000 restos esqueletais de Enantiornithes cretácicas, material fóssil de grande raridade e importância, que foram coletados juntos”. Silvia Gobbo questiona: “Onde estarão estes mais de 1.000 restos fósseis?”.
  • O sítio paleontológico é tombado e tem pela lei municipal nº 10.267/2020 o nome do professor José Martin Suarez, que tem seu trabalho reconhecido na comunidade paleontológica nacional. Além disso, a pesquisadora relata que causa estranheza que no local existam duas placas, com autoria não identificada, renomeando o sítio para William’s Quarry. Para Silvia Gobbo, os materiais não deveriam ter saído de Presidente Prudente, pois o município tem um campus de uma instituição de pesquisa reconhecida há décadas na paleontologia, a Unesp.

Foto: Caio Gervazoni - Pesquisadores do Museu de Marília, do Museu de Ciências Naturais de Buenos Aires e do Museu de História Natural de Los Angeles, durante trabalho de escavação no sítio paleontológico de Prudente

Suposto contrabando

De acordo com a paleontóloga, o retorno deste material “possivelmente contrabandeado para fora do país” é de grande importância para que Presidente Prudente “tenha sua pré-história preservada, desenvolvendo educação e cultura e fomentando o turismo local”.

“Desta forma, pedimos as devidas providências para resguardar a recuperação da guarda do material que está fora do país e seu repatriamento para Presidente Prudente, para onde devem retornar também os materiais fósseis retirados pelo pessoal do Museu de Paleontologia de Marília”, destaca Silvia Gobbo na denúncia protocolada junto ao Comudephaat. 

Farta comprovação

Em entrevista à reportagem de O Imparcial, a paleontóloga relata que estuda os materiais fósseis da região do oeste paulista desde a década de 90 e que, por meio das notícias de veículos de mídia locais, tomou conhecimento das escavações, possivelmente irregulares, em Presidente Prudente.

“Há uma farta comprovação por meio de vídeos, fotos e textos que podem ser encontrados por meio da internet. Encontrei dois artigos científicos em que está muito claro que ao menos quatro fósseis de grande importância foram retirados do país para serem escaneados na Califórnia. Com isso, fica bem claro que estes materiais saíram do país”, relata Gobbo ao pontuar o “quanto isso é irregular e completamente fora das normas federais”. 

“Nessa história, tudo me soa completamente irregular. Particularmente, o Nava chama jornais e revistas quando realiza escavações porque acha que isso pode dar um amparo para que ele seja considerado um paleontólogo regionalmente”, completa a pós-doutoranda em Paleontologia pela Unesp de Rio Claro ao relatar que William Nava é graduado em História e que a paleontologia não é ensinada neste curso. “Ele também teria que estar vinculado a um instituto de pesquisa, como uma universidade, por exemplo, e este não é o caso”. 

Cenário preocupante

A paleontóloga Silvia Regina Gobbo relata um cenário preocupante no país: o contrabando de fósseis. Ela pontua que a região da Chapada do Araripe, sítio paleontológico localizado na divisa dos Estados do Ceará, Pernambuco e Piauí, é a localidade que, talvez, mais sofra com o tráfico de materiais fósseis no Brasil. “Lá, a gente sabe que são milhares de fósseis que foram contrabandeados para o exterior. É muito difícil você ter controle quando isso se estabelece e, no Araripe, isso é um fato”, argumenta a pesquisadora. 

Silvia pontua que o interior de São Paulo possui uma quantidade abundante de fósseis, principalmente no oeste do Estado. “Não há um local certo para escavar. Muitos sítios paleontológicos estão na área rural. Então, existe sempre o risco de que fósseis desta região passem a ser um novo foco de contrabando ou tráfico”, destaca a paleontóloga.  

Conselho irá avaliar

Diante da denúncia, a presidente do Comudephaat, Neide Barrocá Faccio, informou ao O Imparcial que o órgão recebeu a denúncia e já a comunicou ao MPE (Ministério Público Estadual) e ao prefeito municipal Ed Thomas (sem partido). 

“O conselho está marcando uma reunião. Depois da reunião nos manifestaremos”, pontuou Neide. Segundo a presidente do Comudephaat, a reunião depende da disponibilidade dos conselheiros e deve acontecer entre quarta e sexta-feira desta semana.

Nava não se pronunciou

Em resposta por telefone à reportagem de O Imparcial, o diretor do Museu de Paleontologia de Marília, William Roberto Nava, relatou que estava em Presidente Prudente nesta segunda-feira para resolver o problema e que, no momento da ligação, não poderia se pronunciar sobre a denúncia.

Foto: Arquivo - O diretor do Museu de Paleontologia de Marília, William Roberto Nava, não se pronunciou

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