Pergunto ao vento que passa
Notícias do meu país
E o vento cala a desgraça
O vento nada me diz.
Trova do Vento que Passa, Manuel Alegre
A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira define o fado como sendo um «decreto do destino, vaticínio, oráculo, profecia (…) Fortuna, sorte (…)» pouco antes de se referir ao mesmo como «canção popular, típica do sentimento português»; a mesma língua que tornou o sentimento da saudade numa palavra e num conceito definidos, também a musicalizou, transformando o sentimento de melancolia numa expressão artística.
E quem melhor do que Amália Rodrigues, cujo centenário se comemorou na semana passada, para cantar o fado cantando Portugal e todo o sentimento da lusofonia? A renomada fadista levou a língua portuguesa por todo o planeta, um pouco à semelhança do que fizeram os navegadores no século XV; atuou nos mais consagrados palcos mundiais, para audiências compostas por pessoas das mais diversas nacionalidades, as quais se sucumbiram a um estado de contemplação e de acolhimento das suas emoções.
Amália cantou a saudade, o fado português (no sentido de destino) da partida à procura de melhores condições, do abandono do lar, da incerteza do regresso; cantou o amor, o proibido, o perdido e o vivido; cantou Portugal; cantou uma nação de povos que falam a língua portuguesa e que todos os dias, revivem a saudade, a sina do partir e as labutas do quotidiano; cantou a hospitalidade, a morabeza nas palavras do cabo-verdiano:
«Numa casa portuguesa fica bem
Pão e vinho sobre a mesa
E se à porta humildemente bate alguém
Senta-se à mesa com a gente
Fica bem essa fraqueza fica bem
Que o povo nunca a desmente
A alegria da pobreza
Está nesta grande riqueza
De dar e ficar contente»
Em 1965, a fadista cantava Luís de Camões, num EP aclamado pela crítica e sobremaneira reconhecido até aos dias de hoje; deu voz, ainda, aos poemas de conceituados escritores e letristas como sejam: David Mourão Ferreira, Pedro Homem de Mello, José Carlos Ary dos Santos, Alexandre O'Neill, Manuel Alegre.
Com uma carreira que se estendeu desde 1940 até 1999, como cantora e como atriz, vendeu mais de 30 milhões de cópias, dos 170 álbuns, editados em mais de 30 países, numa época com poucos avanços tecnológicos, logrou ter uma profícua carreira, estendendo-se até aos nossos dias.
Amália representa Portugal, representa a língua portuguesa, representa as nossas labutas diárias e os nossos feitos extraordinários, na sua humildade aliada ao talento prodigioso, tornou-se a embaixadora de Portugal no mundo inteiro.