Em 5 anos, casos de violência doméstica em Prudente chegam a quase 10 mil ocorrências  

Neste período, cinco mulheres perderam suas vidas em crimes de feminicídio; em 2022, foram registrados 1896 casos de violência contra pessoas do gênero feminino; pesquisadora fala sobre o tema

REGIÃO - CAIO GERVAZONI

Data 19/03/2023
Horário 06:10
Foto: Divulgação
Em 2022, de todos os inquéritos policias instaurados em PP, 40,87% estavam relacionados a casos de violência doméstica
Em 2022, de todos os inquéritos policias instaurados em PP, 40,87% estavam relacionados a casos de violência doméstica

De 2018 a novembro de 2022, foram registrados 9.896 boletins de ocorrência por violência doméstica em Presidente Prudente. Nesse período, cinco mulheres perderam suas vidas em crimes de feminicídio na cidade. Os dados fornecidos pela SSP (Secretaria de Segurança Pública) SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) após solicitação da reportagem de O Imparcial serviram de base para este levantamento.

De meninas, adolescentes, jovem adultas, adultas a senhoras de idade, a violência doméstica recai como uma chaga sobre o gênero feminino e a todas que nele se identificam. A onda quase que pandêmica de violência contra as mulheres é tema recorrente em textos factuais veiculados semanalmente neste periódico. No ano passado, até o mês de novembro, por exemplo, foram registrados 1.896 casos de violência doméstica no município de acordo com os dados fornecidos pela SSP: em 2021, consta 1.951 registros; em 2020, 1.775 casos; em 2019, 2.212 ocorrências; em 2018, foram registrados 2.062 casos.

Quando se amplia o recorte das estatísticas a âmbito regional, nos últimos cinco anos, foram registrados 38 feminicídios na região de Presidente Prudente de acordo com levantamento feito pela UIP-8 (Unidade de Inteligência Policial)  do Deinter-8 (Departamento de Polícia Judiciária do Interior). Destas mortes femininas, 57 pessoas ficaram órfãos de mãe e dez agressores se suicidaram após o crime.

Para se ter noção da amplitude deste cenário pandêmico que aflige a vida das mulheres em Presidente Prudente, em 2022, de todos os inquéritos policiais instaurados no município, 40,87% estavam relacionados a casos de violência doméstica.

 

A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NA NOSSA REGIÃO É UMA GRANDE EPIDEMIA”

Para a professora mestre e doutoranda pela FCT/Unesp (Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista), Carolina Simon, que, há três anos, desenvolve uma pesquisa de doutorado intitulada “Prevenção do Feminicídio e a importância da Casa Abrigo para a promoção da vida das mulheres”, a violência doméstica no oeste paulista é uma grande epidemia calcada no conservadorismo estrutural da formação histórica do oeste paulista e do país.

“Vejo que as principais causas da violência contra as mulheres em Presidente Prudente e na nossa região é fruto do machismo estrutural, da desigualdade de gênero histórica em nosso país, que faz com que nós mulheres tenhamos mais dificuldades para acessar a educação, faz com que nós mulheres tenhamos mais dificuldades de ter liberdade financeira e que gera uma situação de submissão a instituição do casamento. Neste cenário as mulheres acabam sofrendo muito com a violência doméstica”, explica Carolina.

A pesquisadora indica que a violência doméstica não se limita à violência física, mas inclui também a violência psicológica, moral e, em muitos casos, a sexual e complementa que “a violência doméstica na nossa região é uma grande epidemia que acompanha este cenário pandêmico de violência contra as mulheres a partir do momento que estas mulheres não têm como sair de perto do agressor”, relata a pesquisadora.

 

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CASA ABRIGO: UM MARCO NA LUTA CONTRA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

De acordo com Carolina, nos últimos anos, para se combater a violência contra as mulheres na região, têm sido implementadas políticas públicas e iniciativas conquistadas através da militância.

Segundo a pesquisadora, a consolidação da Casa Abrigo é um importante marco na luta contra a violência doméstica e é fruto do resultado de articulações entre diversas instituições, como o Ministério Público, a Defensoria Pública, a FCT-Unesp, o coletivo Cordel Social e o movimento Frente pela Vida das Mulheres. “Temos avançado na consolidação de políticas públicas no nosso município, tendo o marco da Casa Abrigo, que é um equipamento que estava em disputa há mais de anos, que era muito esperado pela nossa região e que conseguimos consolidar a partir da articulação do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Unesp, junto às mulheres do Cordel Social e também da militância popular da cidade pela Frente pela Vida das Mulheres, que é um coletivo do qual eu também faço parte”, relata a especialista.

“Lembrando também que assinamos o pacto de Combate à Violência Contra as Mulheres no último 25 de novembro e o trabalho que vem sendo feito através do MPT para inserir estas mulheres - vítimas de violência - em empresas a nível nacional, estadual e agora conseguimos algumas vagas para mulheres em nossa região”, acrescenta a pesquisadora, que recorda que a  a luta pelas mulheres em Presidente Prudente por uma vida livre de violências é uma batalha histórica, com mais de 15 anos, encabeçada por muitos anos, principalmente, na figura de Simone Duran na época em que foi coordenadora do CREAS [Centro de Referência Especializado de Assistência Social] Mulher.

No entanto, apesar dos avanços da luta pela igualdade de gênero, Carol indica que ainda há muitas dificuldades enfrentadas pelas mulheres vítimas de violência na região do oeste paulista, como a inserção no mercado de trabalho e a falta de liberdade financeira, o que contribui para a continuidade da violência patrimonial e moral. “As principais dificuldades que as mulheres enfrentam na nossa região para sair dessa situação de violência é conseguir realmente se inserir no mercado de trabalho, conseguir formas de renda de liberdade financeira porque estas mulheres muitas das vezes não têm formação, e quanto têm, elas estão há tantos anos sofrendo violência que elas não se inserem no mercado de trabalho. Sem liberdade financeira, a violência patrimonial continua existindo e a violência moral é cada vez mais ampliada”, enfatiza Carol.

 

A LUTA É COLETIVA
Quando questionada sobre como a sociedade pode ajudar a combater a violência contra mulheres na região do oeste paulista, a pesquisadora é direta ao falar que a mudança ocorre por meio da educação. “O que posso dizer para a gente avançar na sociedade, não só na prudentina, mas na brasileira, no combate à violência contra as mulheres, nós precisamos avançar na discussão a partir da pauta da educação. A educação é fundamental para pensar a promoção da vida das mulheres e dos homens. Nós precisamos olhar com mais carinho para a educação para que a gente consiga realmente combater o machismo desenfreado que nos mata”, aponta Carolina.

“Nós precisamos pensar, produzir e planejar uma sociedade cada vez mais feminista. Vejo que a sociedade prudentina ainda tem medo desta palavra: o feminismo ainda assusta, mas o feminismo é um projeto de sociedade onde a gente pode viver com maior liberdade, cidadania e democracia”, enfatiza a pesquisadora. O termo muitas vezes é jogado na sarjeta do senso comum ao ser relacionado a uma suposta dominação do sexo feminino sobre o masculino. “Não tem como a gente pensar na vida das mulheres livre de violência, não tem como a gente pensar na vida dos nossos filhos, das nossas filhas, se a gente não pensar num avanço e numa educação feminista, com campanhas de conscientização à educação, de prevenção à violência e, principalmente, de promoção à vida das mulheres”, finaliza a professora mestre e doutoranda pela FCT-Unesp, Carolina Simon.

 

SAIBA MAIS

A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Segundo a Polícia Civil do Estado de São Paulo, a violência doméstica é todo sofrimento físico, moral, patrimonial, sexual ou psicológico praticado contra a mulher em seu ambiente doméstico, familiar ou de intimidade. Para ser caracterizada a violência, a vítima deve ter identidade de gênero feminino, incluindo as mulheres transexuais e travestis. O autor da violência pode ser homem ou mulher.

 

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“Mudança ocorre por meio da educação”, pontua a professora mestre e doutoranda, Carolina Simon

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