Estratos do tempo

OPINIÃO - Thiago Granja Belieiro

Data 31/05/2025
Horário 04:30

Na minha vida já experimentei de tudo, das coisas boas às coisas ruins, umas mais, outras menos, como deve ser, para muitos ou para a maioria. Apanhava, quando menino, de vara, de chinelo do pai, de cinta e até vassourada levei. Subia nos pés de goiaba, de manga, abacateiro e na sibipiruna, lá do quintal. Era feliz, toda criança acho que era feliz naquele tempo. Ontem mesmo, vi uma dessas crianças de hoje, chorona, briguenta, uma reclamação que só, quer as coisas, não sabe esperar o tempo certo. Meu pai, homem simples, me ensinou o que era o tempo da espera. 
Viajou, viagem longa, de semanas. Voltou para casa no feriado de novembro. Trouxe brinquedo, me deu, me deixou brincar com aqueles caminhões de madeira, de posto de gasolina, de estrada. Brinquei, feliz, o dia todo, como as crianças sabiam brincar, naquele tempo. No final do dia me chamou e disse, mais ou menos assim, o brinquedo é presente de Natal, vou te dar, só quando chegar o dia. Recolheu e guardou, secretamente, no ranchinho de coisas velhas e esquecidas que tínhamos no fundo do sítio. Naquele tempo, eu não sabia, ainda, o que era uma semana, um mês, 40 dias era mesmo uma eternidade. 
Precisei aprender a contar o tempo, esperando, o grande dia em que receberia de volta o presente. Caminhão todo de madeira, apenas algumas peças de plástico, transportadora nova, nome com logotipo moderno, no baú do caminhão. Esperei, acho que sofri, perguntando, todo dia, que dia era hoje e quantos dias faltavam para o Natal. Aprendizado difícil, esse de contar o tempo e prever o futuro, ficava pensando, como seria o Natal, o que faria e como brincaria, uma longa espera. Chegado o futuro, brinquei, dormi com o caminhão no pé da cama, quando acordei, não tinha mais o que esperar. 
Quando deixamos o sítio e fomos pra cidade, ali com uns 10 ou 11 anos, foi uma coisa de louco, muita novidade, um monte de carro, modernidades, elevador, nunca tinha visto, nem prédio alto, escada rolante. Era tanta luz que parecia até o futuro. Esse chegou rápido, eu acho, quando vi, a primeira vez, um computador. Seu Manoel tinha TV, que a gente assistia, quando sua filha convidava as crianças pra ver desenho. Mas computador era outra coisa, aqueles botão, aquela tela escura e aqueles comandos secretos. No tempo do meu pai se estudava datilografia, que não sabia o que era, só entendi quando ele me matriculou na escola de informática. 
Não dormi naquele dia, da primeira aula. Eu vi, com meus olhos, e mexi, com minhas mãos, em um computador 486 com Windows 95. Nunca esqueço esse dia, aquela tela colorida, com programa de escrita e desenho. Fiz quadrados vermelhos, retângulos azuis e círculos amarelos. Me senti em um futuro tão distante, bem longe mesmo. Eram modernidades, coisas nunca antes vistas, nem por mim e nem por ninguém lá de casa. Cheguei contando, empolgado. Meu pai não entendeu e só perguntou quantas folhas eu tinha batido na máquina. Ele era do passado, e acho que eu também. Mas o futuro estivera ali, na minha frente, por 50 minutos daquela aula de MS-DOS. Hoje eu não sei, o passado está longe e o futuro mais ainda, nesse presente cheio de outros tempos. 

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